NATAL
Mais um 25 de dezembro,
mais um Natal.
Mais um ano, Cristo,
que nós, teus irmãos,
comemoramos teu nascimento
de modo quase obsceno!
Porque é Natal,
em teu nome
há uma corrida louca
ao centro comercial
em busca de presentes
que trocamos com os amigos,
com os parentes.
Sendo que muita gente
o significado desse ato
desconhece.
Porque é Natal,
há também os comes e bebes,
mas nada de simples croquetes,
frango assado ou espaguete.
Pelo menos, o peru e o bacalhau
são esperados...
Mas é Natal
e nessa epifania,
católicos ou ateus,
poucos atinam
que é teu o dia.
E então é Natal.
Mais um ano, Jesus,
que nós, teus irmãos,
ao te ver na cruz,
dizemos com muito orgulho,
e pouca reflexão...
- Nasceu para salvar o mundo,
esse menino!
Mas nesse mundo sem razão,
mesmo para o Divino
é tarefa assaz difícil
comungar guerra, paz e pão.
Há um Cristo, Jesus,
em cada um de teus irmãos
que sofrem as mesmas injustiças,
maus-tratos, ciladas,
e tantos e variados enganos,
sem teto, sem nada.
Sem alimento para o corpo
ou para a alma
cada um carrega sua pesada cruz.
Mas é Natal, afinal!
Tentamos todos seguir,
sem muita convicção, devemos admitir,
Tua doutrina de ética e de redenção.
Teremos nós, teus irmãos, alguma salvação?
MARIA (*)
E agora, Maria?
Você que não é virgem
mas é uma santa,
você que hoje em dia
faz seu próprio destino,
entre atinos e desatinos,
entre sã e insana,
é você quem procria.
Você que não dá conta
de ser apenas uma,
que se desdobra
em suas várias Marias,
você que é mulher,
é mãe e é filha,
que é amiga,
que é companheira.
Você que é vadia,
que é submissa.
Você que é guerreira
da noite e do dia.
E agora, Maria?
Você que faz suas preces,
o coração em agonia,
roga à Nossa Senhora
que volte sã e salva
a sua cria,
da batalha do dia-a-dia,
da labuta no asfalto,
onde vendem suas balas,
pedem algum trocado.
E a escola, Maria?
Você que se arma de coragem
no prazer ou na dor,
que vive na eterna batalha
de provar o seu valor.
Você que dá à luz
neste mundo de trevas,
que é dona do seu corpo
mas é jogada às pedras
ao mínimo gozo.
E agora, Maria?
Você que é da vida,
você que é dádiva,
você que é dama,
você que é fálica,
você que é do povo,
você que é do mundo,
que é de programa,
que não faz drama,
você que é nada, Maria.
Você que perpetua a espécie,
mas tem seus direitos restringidos.
Você que tem sede de justiça,
enfrenta quem te discrimina.
Você que não se rende
às diferenças dos gêneros.
Você que é a própria Vênus,
é beleza, amor, aconchego,
supera a miséria do mundo,
dá o peito,
alivia a fome.
Você que tem nome.
Você que é Maria. Veronica Benesi
(*) Inspirado no poema “José”, de Carlos Drummond de Andrade
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