SACIEDADE DOS POETAS VIVOS DIGITAL - VOL. 6

 

 

THIAGO DE MELLO - Amadeu Thiago de Mello nasceu na cidade de Barreirinha, no Amazonas, onde vive até hoje, em 30 de março de 1926. Em Manaus, capital do Estado, fez seus primeiros estudos. Mudou-se para o Rio de Janeiro (RJ), onde cursou a Faculdade de Medicina até o quarto ano. Acabou optando por deixar os estudos médicos e dedicou-se à poesia. Conhecido internacionalmente por sua luta em prol dos direitos humanos, pela ecologia e pela paz mundial, o autor foi perseguido pela ditadura militar implantada no Brasil em 1964, exilou-se no Chile, até a queda de Salvador Allende. Sua obra está publicada no Chile, Portugal, Uruguai, Estados Unidos, Argentina, Alemanha, Cuba, França, entre outros. Traduziu para o português obras de Pablo Neruda, T. S. Elliot, Ernesto Cardenal, César Vallejo, Nicolas Guillén e Eliseo Diego. Livros publicados em poesia:  Silêncio e Palavra, 1951; Narciso Cego, 1952; A Lenda da Rosa, 1956;  Vento Geral, 1960 (reunião dos livros anteriores e mais dois inéditos: Tenebrosa Acqua e Ponderações que faz o defunto aos que lhe fazem o velório); Faz Escuro, mas eu Canto, 1965; A Canção do Amor Armado, 1966; Poesia comprometida com a minha e a tua vida, 1975; Os Estatutos do Homem, 1977 (com desenhos de Aldemir Martins); Horóscopo para os que estão Vivos, 1984; Mormaço na Floresta, 1984;  Vento Geral – Poesia 1951-1981, 1981; Num Campo de Margaridas, 1986; De uma Vez por Todas, 1996. Em prosa: Notícia da Visitação que fiz no Verão de 1953 ao rio Amazonas e seus Barrancos, 1957; A Estrela da Manhã, 1968; Arte e Ciência de Empinar Papagaio, 1983; Manaus, Amor e Memória, 1984; Amazonas, Pátria da Água, 1991 (edição de luxo, bilíngüe (português e inglês), com fotografias de Luiz Cláudio Marigo); Amazônia — A Menina dos Olhos do Mundo, 1992; O Povo sabe o que Diz, 1993; Borges na Luz de Borges, 1993. Discos: Poesias de Thiago de Mello, 1963; Die Statuten des Menschen. Cantata para orquestra e coro. Música de Peter Jansens, 1976; Thiago de Mello, Palabra de esta América. Casa de las Américas, La Habana, 1985; Mormaço na Floresta. Locução do autor, 1986; Os Estatutos do Homem e Poemas Inéditos, 1992.

Página individual de poesia em Blocos Online


           Rumo

Tenebrosa acqua - Os barcos

Tenebrosa acqua - O barqueiro

     

           Último poema do marinheiro

Acalanto para o náufrago

Epitáfio

 

Tenebrosa Acqua
Episódio Primeiro
Os Barcos

Os barcos nascem com nascem dores.
E chegam como pássaros ao céu,
como flores do chão. São mensageiros.
Vên ba crusta dis astrism vêm de ventres
por onde rolam rastros de cantigas
de antigas barcarolas estaleiras.
Trazem na prosa audácias e esperanças,
as cismas e os assombros nos porões.

A mão que os faz, humana, os não perfaz,
apenas segue, tímida, ao comando
de vozes nascituras que lhe chegam
da boca dos martelos e das ripas.
A si mesmo se fazem, pelo mando
de voz sem boca: os barcos são auroras.
Despejam-se na foz de águas escuras.
Contudo, chegam sempre de manhã.

Chegam antes, alguns. Outros são póstumos.
Há os que não chegam nunca: naugragaram
nas primícias do rio. Tantos mastros
se vergam na chegada, outros se racham.
Partem-se popas, lemes, em pelejas
imaginárias contra calmarias.
Uns são velozes, zarpam mal-chegados,
outros são lerdos, de hélices sem sonhos.

Há barcaças nascidas para as idas
ao oco dos mistério, há as que trazem
lendas futuras presas ao convés,
as que guardam nos remos os roteiros
de grandes descobertas, e as que vêm
para vingar galeras soçobradas.
Há as que já chegam velhas, sem navêgo.

O mar, sempre desperto, espreita e espera
a todos, e de todos se acrescenta.
Para barcos se fez o mar amargo
e fundo, sobretudo se fez verde.
O mar nem sempre os quer. O mar se tranca
freqüentemente a barcos; e os roteiros
marítimos se encantam em lajedos,
estraçalhando quilhas e calados.

O coração das caravelas viaja
desfraldado nos mastros, invisível
bandeira também bússola. Altaneiro,
ele surpreende, quando manso, as rotas
que se desenham longe sobre o mar.
Sextante é o coração, que escuta estrelas,
que antes de erguer as âncoras, demora-se
em concílio amoroso com os ventos.

O coração comanda. Manda e segue.
E, à sua voz, os barcos obedecem
e avançam, confiantes, pois dos mastros
as velas vão surgindo, vão crescendo
como cresce uma folha de palmeira,
às manobras da brisa sempre dóceis.
Os caminhos de barcos sobre o mar
Os ventos é que sabem dos destinos.

Thiago de Mello
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Thiago de Mello

 
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