As palavras voam e me escapam
Tento buscar lógicas
Em minha alma magoada
Disfarço lembranças
A caneta reticente
O choro eterno
Sou tudo de ti
Meio Carlitos
Graça e recolhimento
Convivendo o espírito
Ouço ao longe
Um velho rádio marrom
Me passando as primeiras emoções
A Copa distante de 54
Desenhando imagens
Os primeiros dribles
Os primeiros sustos
Vejo o gosto político
As discussões incendiárias
As novelas, as canções
Rádio Nacional
Jerônimo e Auditórios
Cinema sonhado
Doce imaginário
Que pena
Não poder ter vivido
As luzes da Lapa
O Cassino da Urca
Os Corsos memoráveis
E ter te visto bailando
Ao som flutuante
Das grandes bandas
Que bom
Ter me passado
Essas fantasias
Que prazer saboroso
Poder ter misturado
Noels, Braguinhas e Lamartines
Sinatras, Elizethes e Nat King Cole
Domingos em Álvaro Chaves
Os cheiros inesquecíveis
Gramado, éter e pó de arroz
Gostavas de ficar na grade
Discussões até as últimas conseqüências
De quem sempre amava
Nos limites do coração
Ao fim da tarde
Caminhos da Paissandu e São Salvador
Vejo tardes dorminhocas
Dos sábados de praia
“Banhos de mar” e “jacarés”
O último mergulho sempre adiado
O gosto da bola rolando neve
Na areia branca das batalhas
Desejos e rouquidões
Bossas-novas e rin-tin-tins
Missas dominicais
Ar condicionado do Metro
Uvas cristalizadas
Fins de noite à espera
Alimento das insônias
De um Rio pré violento
Trilhos que nos levam
A tua sempre Friburgo
Almoços temperados com carinho
Carnavais, Euterpes e Vilages
Frigideiras, surdos e cabrochas
Fraques iluminados
Atalhos simples de felicidade
O orgulho da terra, o cheiro de mato
O riso Othelina
Os pães perfumados
Os papos de fim de tarde
“Hoje chove, a Cova da Ia está coberta”
“Respira fundo”, “Fecha a janela”
E a lua se infiltrando aos poucos
No espaço concedido
Regando a adolescência e sentimentos
Cabem em nós
Todas as ruas que me ensinastes
A não praticar
Hoje tenho dívidas impagáveis
De curiosidade e alma
De quem ensinou a ir, sem querer
Como a confiar
Nos anjos protetores e guardiões
Mas que arrisca nos limites
Das possibilidades e medos
Que família linda
De aniversários intermináveis
Doces inspirados em receitas ancestrais
Feixes de luz, milhões de amigos
O amor de todo tipo em aderência
Telefone ocupado
“Oh Gilda , na hora da novela!”
Centro da atenção e do carinho familiar
Mesa completa sempre
Com lugares adicionais
Não consigo falar de ti
Sem lembrar de nós
Caminhos e horas intermináveis
Nos papos de esquina e reencontros
De tempos de um Rio prazeroso
Pequeno e quadrilátero universo
Poucas pessoas, muitas histórias
Orgulho-me de ti
Pelo que ficou
Coado dos cafés da memória
Valores e sabedoria pagã
Verso e anti-verso
Presentes e vitórias
Derrotas bem disfarçadas
De quem viveu e amou
Com passos leves e doces compassos
Mistérios, beijos e gargalhadas
Nos seus variados papéis
Pai ,marido, filho e avô
Quase sempre em brincadeiras
Mas certas vezes
Com sábias reticências
Em minha vida, desfilaram
Paulo Eugênios, Bob Nelsons, Raimundos
Tutas, Cacás , Russos, Arthurs e Aloisios
Bichinhas, Aris, Maninhos e outros tantos
Mas as mulheres que ironia
Te adotaram
As primas, as irmãs, as sobrinhas
Hilda e atua sempre Gilda
Mais que mulher e companheira
Ventre da tua alma
Afluente do teu sangue eterno
A estrela maior
Dama da tua paixão
Sua responsável em nós
Na beleza da sobrevivência
Nas estradas dos netos
E de outros mais que virão
Brilhando nos rastros dos milênios
Como Gildas e Paulinhos
Em nova constelação
E saberão conquistar seus mundos
Na mistura, nos mistérios
No sentido de viver
Dos sabores acre-doces
Ritmos e silêncios
Arcos de encanto e agonias
Mas sempre lembraremos
Os teus recados amorosos
As heranças de carinhos
Os sonhos inacabados
Restam lágrimas alegres
Por ser de ti para sempre
E hoje
Estrela brilhante
Que nos espera
Com paciência
E ainda assim
Nos deixa luz