A Anunciação
Entre gente modesta, a existência prosaica,
Longe do grande luxo e vivendo distante
Do fausto babilônio e da pompa caldaica,
Sem nada a lhe turvar o angélico semblante,
Diz uma tradição de santa lenda arcaica,
Cuja veracidade a Escritura garante —
Floresce a melhor flor da família judaica,
Como um lotus ideal de aroma penetrante.
Vive calma e feliz. Todo o seu bem resume
Em ter, pelo seu Deus e seu supremo guia,
Tudo que a dor lhe acalme e os sonhos lhe perfume.
"Mãe do Senhor serás!" — o arcanjo lhe anuncia,
E Ela ascende no olhar do espanto o estranho lume!
— Era o primeiro olhar dos olhos de Maria!...
A Paixão
Messias anunciado e do Céu predileto!
Tu que és filho de Deus e Rei do mundo todo,
Filho da minha crença e meu primeiro afeto,
Sofres dos maus, assim, o repelente apodo?
Tens o Teu coração de bondade repleto,
De perdões e de fé, de audácias e denodo:
E, eu vejo assim, na terra, o Teu divino aspecto
Maculado de sangue e coberto de lodo!....
Será possível, Deus! Pai da suprema graça!
Que assim deixes passar pela dura agonia
Por que Meu Filho, o Teu, por entre os homens passa!?...
E nisto a Virgem Mãe, cujo olhar irradia,
Tem nos olhos a dor e a dúvida a traspassa!...
— Era o segundo olhar dos olhos de Maria!...
A Ascenção
Agora sinto, enfim, que todo o estranho brilho
Que dos meus olhos vês e nos Teus olhos erra,
No humano coração não encontra empecilho,
Todo o rancor acalma e acalma toda a guerra!
E assim que a Virgem Mãe, entre preces murmura,
Vebdo, entre nuvens de ouro e rara pedraria,
A ascensão de Jesus para a infinita altura!...
Que era o filho de Deus, tudo ali dizia...
E em seus olhos brilhava a suprema ventura!...
— Era o terceiro olhar dos olhos de Maria.
Do livro: "Nova Antologia Brasileira", F. Briguiet
& Cia. Editores, 1961, RJ