O galo
no salão quieto.
Galo galo
de alarmante
crista, guerreiro,
medieval.
De córneo bico e
esporões, armado
contra a morte,
passeia.
Mede os
passos. Pára.
Inclina
a cabeça coroada
dentro
do silêncio:
—— que faço entre coisas ?
—— de que me defendo ?
Anda.
No saguão.
O cimento
esquece
o seu
último passo.
Galo: as penas que
florescem da carne silenciosa
e duro bico e as unhas e o olho
sem amor. Grave
solidez.
Em que se apóia
tal arquitetura ?
Saberá
que, no centro
de seu
corpo, um grito
se elabora
?
Como,
porém, conter,
uma vez
concluído,
o canto
obrigatório ?
Eis que bate as asas, vai
morrer, encurva o vertiginoso pescoço
donde o canto rubro escoa
Mas a pedra,
a tarde,
o próprio
feroz galo
subsistem
ao grito.
Vê-se: o canto é inútil.
O galo
permanece — apesar
de todo
o seu porte marcial —
só,
desamparado,
num saguão
do mundo.
Pobre
ave gurreeira!
Outro grito cresce
agora no sigilo
de seu corpo; grito
que, sem essas penas
e esporões e crista
e sobretudo sem esse olhar
de ódio,
não seria tão rouco
e sangrento
Grito,
fruto obscuro
e extremo
dessa árvore: galo.
Mas que,
fora dele,
é
mero complemento de auroras.
Ferreira Gullar
Do livro: "Toda poesia - 1950-1980", Civilização Brasileira, 1980, RJ