Ao completar quarenta
num dia de são-tomé
véspera de são-nunca
de porre de coragem
e algum fogo nas ventas
telefonei pra você.
Você me disse: agüenta.
Agüentei como pude
desde os meus dezessete
com suas cartas na mesa
e um papel de bombom
(colomba adolescente)
nos porões da gaveta.
Eu tinha a língua presa
e você gaguejava
anedotas concretas.
Antenas de pestanas
(ou era Pentecostes!)
acendiam mil velas
na soirée da Colombo.
Quem me viu, quem me crê.
Comi gatos por lebres
exilada do vale
e haja ainda uvas verdes
nestes quarenta e sete.
De quem ouvirei?: agüenta,
que o tempo ainda é de fezes
alucinações maus poemas...
Te passo um encefalograma?
Te ausculto em fitas-kassete?
Uso o meu telecarlos?
Código morse ainda se usa?
Seus livros autografados
impassíveis na estante
remetem ao dicionário
de palavras gestantes
sob sua própria égide
de sonhos contrariados.
De carona em seu Halley
levo uma carraspana
no arremate de males.
De repente me vejo
(ainda vivo de vales)
indo a Copacabana
para um acerto de contas.
Esbarro em seu cheque-ouro
Banco por banco assento
a inesperada chance
(comprará Roupa Nova
ou fará em Pessoa
um amigo presente?).
Entre aids e apartheides
você me reconhece
água vai tir-te e guar-te
sem mais aviso prévio:
- Os mesmos olhos verdes!
Ando farta de carnes,
vigilante de peso.
Você, com tudo, é o mesmo
que visitei há séculos:
- O mesmo ardor modesto!
Seu perfume me agarra
na griffe desse abraço
sem tratamento, quase:
mineiro cem por cento,
gauche de lado a lado.
E falamos de nada
como se, como sempre.
Sem poesia sem piadas
vamos nos esfolando
na memória calçada
de outro tempo suspenso.
E de repente rimos
(no último andamento)
de amarelinhas sombras.
E já nos despedimos:
como um menino antigo
e uma menina tonta.