Comtemplar é o trabalho dos deuses.
Os homens
— fazem.
Os homens domam a natureza,
esforçam-se para dialogar com as várias fomes
e caçam os animais e também caçam os sonhos
— e morrem.
E morrem ignorando o que é o silêncio.
Quando a chuva é triste, o mar ensina-o ao vento
e o vento vem pousá-lo na cadeira em que sentamos.
(Mas os homens não sabem o que é o silêncio.)
Permanecer compete à luz feita com a sombra
do que não sabemos
eternamente a perfumar a quietação das tardes.
Sob os eucaliptos, sob o cimento das marquises,
ou afogados como peixes
no brilho milenar de tanta estrela extinta,
compete certamente aos homens se perderem
se perderem
como a lembrança de um morto
na boca dos que respiram,
como o alimento
que do prato passa aos dentes
e nos dentes se desfia
em semânticos vagares,
como a coloração dos frutos, como a água
de um lago ou mar filtrada entre infinitos.
Moacyr Félix
Do livro: "Singular Pluaral", Civilização Brasileira, 1998, RJ;