Quem pode julgar o amor, meu amigo?
Quem pode julgá-lo na plasticidade do ato?
Quem pode julgar o que nos faz feliz de fato,
quando em qualquer circunstância
sentimos o doce gosto das substâncias:
suor, esperma, saliva
vaginais líquidos, néctares servidos
na hora do amor?
Quem pode avaliar idade?
Quem pode avaliar saudade
da pele, pêlos, barbas, pentelhos,
e tudo isso e mais,
emvolvidos em dorsos, coxas, peitos.
Quem, óh!
Quem julgará se o amor for
apolíneo, lésbico, Narciso,
gordo, branco, esquálido,
preto, baixo, belo, alto, feio?
Que julguem a fome do mundo!
Que julguem a hipocrisia!
Que julguem os pseudos valores,
as falsas normas e todo olhar torto,
culpado, infestado, monstruoso.
Que julguem seus próprios ódios,
que se vejam expostos, lacerados,
prisioneiros de seus medos.
Que morram envenenados
pelos próprios preconceitos.
Porque ninguém que sabe amar,
ninguém que conhece os caminhos sinuosos
e prazerosos da paixão
ousará julgar, sequer classificar,
as diferentes formas nas quais se molda o amor.
Só os amantes sabem,
a rota da embarcação em pleno naufrágio,
quantos mil sóis brilham
e quantas luas se escondem no ato sublime.
Só os amantes dominam os códigos
os ritos, rezas e sacrifícios
imprescindíveis ao culto-cultivo de Eros.
Só aos amantes cabem
o mapa do ser querido, impresso nas mãos,
o olhar apaixonado que revela a imensidão de tudo,
o beijo que cala toda a maldade, estremece bases,
mata vergonhas e ressuscita a castidade dos anjos.
Só aos amantes, os deuses concedem a dádiva do amor.