ANDARILHA
Quem nunca ouviu um ruído
de carro deflorar a noite,
nunca viveu cidade.
Quem nunca saiu para longe
de pé nas solas da vida,
nunca andou estrada.
Quem nunca perdeu o rumo
dos ladrilhos do banheiro,
nunca saiu de casa.
Qual de nós vive sem farsa?...
Quem nunca voltou esquecido
da fama, da grana, da lembrança
amordaçada pelo prazer passado
no andar de pés nus?
Quem nunca gozou acordado
na cama, no grama, no orgasmo
quieto das mãos cínicas rezando
no andar de pés juntos?
Qual de nós amou em liberdade?...
Quem de nós armou a liberdade?...
Estamos juntos, decerto,
ouvindo batidas de carros.
Estamos grudados na dor,
nos passos gastos do rumo.
Estamos unidos no mesmo
silêncio do banheiro aceso.
Estamos beijando o beijo
do desejo sussurrado.
Andarilha,
espere na dor da noite passar o medo,
aguarde o amanhã, não durma tarde;
pois, quanto mais tarde, mais cedo
precisará caminhar entre a calma
e a saudade dessa inquieta noite
irrequieta, insone e andarilha.
Djalma Filho
«
Voltar