I
Caçar um poema é como
caçar um corvo, essa ave
sem utilidade. Não se descobre
nesse gesto o canto nem
o estofo da palavra morte.
O corvo jamais esteve em extinção.
Os grandes exterminadores
ignoram sua plumagem, ave
renitente nunca avis rara.
Infiro, pois: empresa vã,
capricho, obstinação estéril.
Quando a noite desce
e a cidade cobre-se de claridades,
muitos andam por São Paulo
tocaiando búfalos e magos, eternos
fugitivos do absurdo. Os poetas não.
Desapressados, sentam-se na cabeceira
dos viadutos – habitat natural dos rapineiros.
Trazem farta matalotagem e sonhos
no interior de seus embornais surrados.
Ensimesmados como beatas, crêem
que a morte do Corvo-Rei
mudará o curso do mundo.
E esperam, rifles em punho.
II
É. Todas as mulheres são iguais,
irmanam-se na mesma luz.
A mais sem brilho empresta
suas ancas à ferocidade dos touros
em dias de sangue e arena.
São anjos forjados de explosão e suicídio.
Perdi o talismã da linguagem.
Fui cio, chuva, fui il capo
da felicidade. Existi? Os futuristas
aninhavam-se no colo lascivo
da puta que pariu a guerra.
Corvo desvivo, e agora?
Falta-me arte, gravidade,
pra recompor tuas negras asas,
soprar-te no bico
tua vida abjeta, negrejar-te
novo e reluzente no império da carne.
Nem quero, incauto, ser teu deus,
ressuscitá-lo. Amanhã,
celebrarei tua ruína.
Erorci Santana
Do livro: "Carnavras", Ed. autor, 1986, SP