Eu me recuso a celebrar minha grandeza.
Porém deixo aos meus futuros compatriotas
alguns apontamentos:
Eu estive em todas as coisas pela superfície –
tive medo confesso de penetrá-las e perdê-las.
Assim, a Poesia foi o meu amor. E minha inimiga;
amei a todas as mulheres mas neguei-as
quando me quiseram inconsútil, a primeira
e a última, inclusive. Tive medo extremo
de meus pares. Pares, quando digo, falo
dos maiores de efervescência criadora, o que, malgrada
a hierarquia, pode estar na base
no topo ou no meio. Eu sempre tive bem marcadas,
no íntimo, as fronteiras do rico e do pobre
da essência de Deus, Esse que se impõe por evidência.
A outros... aplaudi entusiástico, alimentei suas vãs
ilusões
com devota tolerância, deitei lenha boa em suas vaidades.
Aos homens eu dei minha amizade sem reparos
e falei mal deles a outros homens, tentando redimi-los.
Alguns não entenderam bem o cerne da minha nova ternura
e eu passei por todos eles como passa o ar
na lisa superfície de um molusco; eu me quis obscuro
para não transtornar padres e políticos. A fórmula
da fama
nunca foi tão clara e tão fácil. Tristes deles,
os sedentos!
Eu sempre soube agradecer a vida, mesmo a mais exígua,
e cantá-la em seus comovedores limites: um insetinho diminuto,
uns pirilampos, umas putas, uns menores infratores e aqueles
répteis gigantescos que a sorte não me deu como contemporâneos.
Minha mãe, meu pai, meus irmãos e aqueles homenzinhos
massacrados pelo indústria do outro lado do Pacífico.
Nunca invejei os filósofos, à exceção de
Aristóteles.
Bem se vê, transeunte, as dificuldades de levar-me a sério.
Também porque poetas havia muitos, de lotar caminhões
e mandar
para as trincheiras do universo, poetinhas de ego, manuais
de lexicografia e estilística. Travei íntimos diálogos
com os outros.
Como vês, não pedi a alegre irrisão das praças.
E te contemplo, absorto, de cima dessa enorme cabeça.
Erorci Santana
Do livro: "Estatura leviana", Ed. autor, 1989, SP