O que vi é quanto basta, Nadja,
essa miséria de muitos e o que,
idealizado, se esboroa aos poucos.
Ao menos isso, a lentidão da queda:
ao percebermos, porém, já estamos embaixo.
Mas o que Nadja, ergue-se
e, sob tanta intempérie, permanece?
Acostumamo-nos sob a égide do fracasso
e nossos filhos vão morrendo
ã míngua de tantas coisas sem rosto.
Eu fui tentado três dias e três noites
a dizer: “Isso sempre foi assim”.
Mas a história desses crimes não pode
ser nosso estigma, nem é irrecusável, se herança.
Para nós, raros honrados, a pujança da vileza
deve existir como incidente de percurso.
Ardência peito adentro, esperança fundada
no gelo caótico, precursor do Tempo.
Não há forma. Defini-la é mais do que
matar um desejado objeto. A fórmula
da felicidade, Nadja, eu te dou
como presente: um pouco mais de hecatombe
para despertar a consciência do monstro.
Erorci Santana
Do livro: "Estatura leviana", 1989, Ed. ao autor, SP