A prancha, o papel, os óculos, a caneta
e a inspiração não vem.
Donde surge o poema?
De que portas que se fecham
e que tento arrombar,
ferindo-me nos escombros?
Ah! donde vem o poema?
Da indisfarçável dor que carrego nos ombros?
Do encontro, da cópula,
do amor das palavras,
umas levando a outras em livre contubérnio?
Ou de uma luz interna,
que pinga pelas brechas, pelas trincas do muro?
Donde sangra o poema?
De um equívoco? de um útero?
de algum nebuloso agregado de acasos?
De que nebulosa?
É um parto? um jogo? um grito?
De onde desce o poema?
Nasce por gravidade?
por leviana vaidade?
por ato de vontade?
Desce do espírito? sobe da matéria?
Flui do coração
ou da mente?
É tijolo que se acrescenta
ou mera imitação?
É suor, cálculo ou flora?
É tudo isso em mistura,
retrato da criatura
que em criador se arvora?
Não sei. Só sei que tonto,
perdido em meio às taças,
bebo os álcoois do poema.
E suplico ao Incógnito
que, indagando do poema,
de mim ache a resposta.
Anderson Braga Horta
Do livro: "Pulso", Barcarola Editora Comunicação, 2000, SP