A sós.
No escuro a amplitude da sala perde-se.
A madrugada nos abraça, num triângulo sem religião.
A ausência de luz é quase absoluta. Ausência para
ceder lugar ao silêncio.
Vez ou outra, o suspirar.
Sonar.
Sonhar.
Gata e rato.
Gata que não quer matar, só brincar.
Vida e morte, sorte.
A quietude fala mais alto, significa mais que qualquer palavra neste
momento.
A atmosfera exige cuidados; cuidados em encontrar o desejo mútuo
de nos beijar, de nos tocar a alma...
Visão desnecessária; a madrugada anfitriã olha
por nós, como cuida dos amantes em todos os continentes, desde
todas as épocas.
Tato.
Pelo tato nos procuramos nesta sala, neste palco, neste altar, neste
céu de estrelas; pelo tato percorremos o silêncio.
Sem juras de amor.
Sem murmurar o "para sempre".
Sem a necessidade do futuro -agora é a eternidade.
Sem etiqueta; sem etiquetas.
Só o tato bom do amor.
Só o ofegar.
Só o "a sós".
Escultura.
Esculpir seu corpo é minha missão. Suas formas estão
na imaginação de minhas mãos. Estou como o artista
extasiado
com a recompensa do resultado do esforço de sua arte.
Criação.
Loucura.
Por um momento uma música itálica programada no aparelho
"high-tec", sem interferências, acompanha o ato mais
antigo entre macho e fêmea, homem e mulher.
Êxtase.
Silêncio, madrugada, silêncio!
Meu amor descansa. Hoje ela invadiu guerreira noite à dentro,
sem pudor.
Silêncio, madrugada, silêncio!
Meu amor está dormindo, nua e livre, nas palmas criadoras de
minhas mãos.
Silêncio!
Nilton Bustamante