Esta não é a face da minha juventude!
Não creio nestas rugas; e não creio
nesta feição austera, séria e rude...
E esta barba grisalha é de algum rosto alheio.
Este espelho está velho - e já perdeu a virtude
da boa educação... do gentil galanteio!
Este semblante velho não me ilude.
Não! Não sou eu este ancião tão feio!
Sou, sim, este que vejo sobre a mesa posto,
lá no fundo do espelho, sobre a cantoneira:
Vou vestido a rigor e trago com bom gosto,
a Princesa-do-Amor, a meu braço, altaneira.
Cabeleira de poeta, o porte bem composto...
Esta luz em meus olhos é que é verdadeira!
Tenho assim a cabeça erguida e na viseira
o andeio de ideal que ilumina o meu rosto
e mostra no porvir a glória toda inteira!
Sou aquele! E não este! É maldade e loucura
colocar em meu rosto "ais" e "nãos" e a mentira
de contar cinquenta anos de lonjura
entre o retrato e o espelho... Aos arpejos da lira,
foram momentos só de glória e de ventura!
Em minha mocidade, inda canta e suspira,
do iluminado ideal, a iluminada mira
a conquistar, do amor, na feliz aventura!
A Verdade é o retrato! Este espelho é mentira!
Do livro: "Saciedade
dos Poetas Vivos - vol. XI", Blocos, 1996, RJ