AMOR A MENOS
Estou maduro e embolorado. Descido,
apeado de uma nuvem, trago o coração partido,
a perna quebrada, foi-se a corrente do relógio
n'alguma enxurrada,
fiquei de repente muito sóbrio.
Não é, no entanto, hora de velório.
Nem de riso. Expõe-se o sol, azulam-se calmas sob
ele as moscas do dia mau, é tudo tão normal
que me ofende antes de me dar o ar de que preciso.
Fiquei de repente muito lúcido.
O ar é fino, não me sustenta, não me segura.
Qualquer vento me derruba, como se eu fosse
uma criança morta. Sou feito de ossos só,
branco por fora, duro de doer em nós de dedos piedosos.
Fiquei de repente muito tranqüilo.
Uma vez caído, acomodo-me, deito-me de comprido.
Fiquei de repente muito morto,
de amante virei marido e de marido virei espanto,
e de tranco em tranco ao meu canto devolvido.
Fiquei de repente muito anjo.
Mas anjo mau, que dá língua e banana.
Orlando Tosetto Jr.
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