PEQUENA COSMOGONIA DE ESTRADA
antes que o amanhecer nos venha raptar com seu guarda-chuva fantasma
antes que as mãos deixem de se tocar na planície do sonho
antes que os olhos ignorem o mal a beleza
antes que os corpos sejam assaltados pelo sofisma dos amantes
antes que o perfume das vítimas nos sufoque
antes que o suicídio as bandeiras mortas do tempo
no abismo dos lógicos nos afoguem
antes que inaugremos as coleções sangrentas
dos romances da sombra
antes que o pêndulo dos dias a fadiga do mundo nos supreenda
antes que as mulheres em chamas como os lábios da mentira
percorram os enigmas da evidência
antes que a calvície das tardes a seriedade dos tolos
comprometam nosso inferno
antes que o tempo presente nos manche com sua areia sua lepra
antes que farsantes cretinizantes escritores de grandes rabos
belos assentos exercitem sobre nós
a ginástica magra de seus talentos
antes que acima de nós baixo de nós trás de nós
entre nós
dentro de nós os soluços do verme da profecia
roam o teatro de nossos erros
antes que esqueçamos de nomear estes nomes
a poesia acima de tudo
Carlos Lima
Do livro: "Sincretismo - A poesia da Geração
60", Topbooks, 1995, RJ
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