O que me chama atenção é um homem soinho numa mesa
nos seus cinqüenta anos bem morridos,
a entornar seu chope silenciosamente,
o homem do paletó cor de goiaba.
Necessariamente funcionário público
às vizinhanças da obseidade e do enfarte,
o homem de paletó cor de goiaba
tem cinco filhos, três netos,
uma mulher de barrica caída e varizes nos braços e nas
pernas,
um apartamento de dois quartos no 12º andar do Edifício
Flor das Laranjeiras
(financiado em 25 anos, com correção monetária,
pelo BNF),
calos na sola do pé direito,
dentes cariados,
fígado inchado,
acessos semanais de asma brônquica,
uma sogra que encarna o dragão vomitador de fogo,
uma acentuada hipermetropia na visão esquerda
e bolsos furados.
E mais:
no morrer de cada dia,
o homem do paletó cor de goiaba
tem os ouvidos rasgados pelo barulho do trânsito,
seu sangue poluído de asfalto na repartição,
nas filas de ônibus e do INPS.
Entornando silenciosamente o seu chope,
o homem do paletó cor de goiaba
parece um boi.
Um boi.
Não o boi que pasta no campo,
mas o boi que vão levando ao matadouro.
Luís Carlos Guimarães
Do livro: "Ponto de fuga", Clima - Fund. José Augusto, 1979, RN