Não sou poeta. Falta-me algo...
A dor, decerto não é. Tão pouco o amor, essa coisa
sem tamanho que me tira o ar...e me ressuscita...
Falta-me o talento da palavra solta, o bem saber debochar das letras,
o jogo do mostra-esconde das intenções.
Sou de terra, e por mais que crie asas, meus pés ainda assim
terão raízes...
Dói-me tanto esse fixar-me!
Por que não nasci sob peixes?
Seria mais fluida talvez, menos objetiva, com menor senso prático,
como convém a um poeta....
Quem sabe as crônicas?
As malditas crônicas da realidade, feitas de contas do
final do mês, da novela das oito, dos porres tomados embaixo da mesa...
Dessas bem sei falar.
Mas o que quero é a poesia entranhada em meus cabelos, resistindo
ao vento e à escova de cerdas sintéticas!
Quero-a correndo em minhas veias, disfarçada de hemácias,
incógnita ao meu sistema de defesa.
Quero-a em minha boca...Na fumaça de meu cigarro, no ardor de
uma bebida, na doçura de teu beijo!
Quero-a fluindo de mim, em gotas de suor, espalhando o meu cheiro pela
sala de estar...
Quero vê-la no espelho que me reflete, escorrendo de meus olhos,
inundando minha face de dor e alegria!
Quero-a eterna companhia.
Desejo gritá-la, cantá-la, senti-la definindo o tom de
minha voz, a cor de meu olhar, o sentido de minhas palavras!
Mas facilmente descubro que querer não é poder...
São só palavras o que posso parir de minha alma. A poesia
está restrita aos meus sonhos.
Não sou poeta. Apenas alegre, às vezes triste.
E assim vão passando os meus dias...
E assim vão passando os meus versos...
E assim vou passando!