Não.
A palavra ecoa na sala vazia dos meus pensamentos.
E eu não quero ser a pedra no caminho,
mesmo que esteja sozinho.
E eu não quero ser o espinho da flor,
mesmo que a mão não me toque.
E eu não quero ser substituto,
mesmo que seja um ator.
E eu não quero ser igual,
não quero ser teatro,
não quero ser amor.
Não.
Mesmo que seja doloroso.
E eu não quero ser obrigação,
mesmo que de coração.
E eu não quero ternura,
mesmo que pura.
E eu não quero o sorriso,
mesmo que seja preciso.
E eu não quero querer,
não quero ser verdade,
não quero saudade.
Não.
Mesmo que o sim seja mais fácil.
E eu não quero perseguir um ideal,
mesmo que seja normal.
E eu não quero ser mais um vazio,
mesmo que haja fastio.
E eu não quero ser diferente,
mesmo que venha a ser.
E eu não quero poente,
não quero nascer,
não quero querer.
Não.
Mesmo que seja pouco o tempo.
E eu não quero ser beijo,
mesmo que haja o desejo.
E eu não quero ser fonte,
mesmo que exista a sede.
E eu não quero ser tudo,
mesmo que tudo seja pouco.
E eu não quero ser frio,
não quero ser verso,
não quero ser louco.
Não.
Mesmo que eu tenha forças.
E eu não quero ser mal,
mesmo que o bem esteja morto.
E eu não quero ser imã,
mesmo que a atração seja vital.
E eu não quero ser alimento,
mesmo que eu seja tesão.
E eu não quero ser deus,
não quero lamento,
não quero paixão.
Não.
Mesmo que as palavras sejam ditas.
E eu não quero respostas,
mesmo que eu seja pergunta.
E eu não quero propostas,
mesmo que eu puxe o assunto.
E eu não quero sangria,
mesmo que o fim esteja perto.
E eu não quero ser dono do mundo,
não quero universo,
não quero um deserto.
Não.
A palavra ecoa na sala vazia dos pensamentos.
E eu não quero ser lágrima,
mesmo que sertão.
E eu não quero ser história,
mesmo que de glória.
E eu não quero ser mera lembrança,
mesmo que de criança.
E eu não quero vitória,
não quero segredo,
não quero memória.
Não.
Mesmo que pareça romântico.
E eu não quero ser poesia,
mesmo que a lua me peça.
E eu não quero heresia,
mesmo que um dia eu mereça.
E eu não quero calor,
mesmo que nada me aqueça.
E eu não quero leitura,
não quero tristeza,
não quero deixar de escrever.
Bruno Ramalho
Do livro: "A penúltima coisa que se faz", Ed. autor, 1999, MG