A sala estava um tanto deserta:
Havia semblantes meio entediados
Senhores sozinhas
e algumas moçoilas e seus namorados.
A luz era pouca, mal distribuída,
meu rosto na sombra...
e o próprio vestido tinha um tom cansado...
Homens displicentes,
de ar distraído.
Havia bocejos no ar abafado;
porém mesmo assim
dei começo ao programa
bem segura de mim...
Findo o primeiro poema
aplausos convencionais:
quatro palmas... nada mais.
Chamei por meus santos
e continuei.
Usei sutaque do norte:
— Eta cabra da peste
Se aperpara pra morrê
na ponta dessa pechera...
E o apaluso veio frio, gelado, pesado...
Busquei um poema heróico,
verso ardente, condoreiro,
cantando toda a bravura
desse povo brasileiro:
Fernão Dias Pais Leme,
Barroso, Tamandaré,
Branca Dias, Joana Angélica,
e também Maria Quitéria e Castro Alves,
o condor da poesia...
Caí no sentimentalismo
do meu Nordeste abrasado
em levas de retirantes
tombando pelos caminhos.
Crianças nuas, famintas,
morrendo pelas estradas
sobre pedras, sobre espinhos...
Falei das festas,
das procissões pelas ruas.
Ajoelhado nas praças
o povo cantando assim
com a voz mais triste do mundo,
pedindo chuva, coitados:
"Senhor Deus
Deus, tende misericórdia"
E arrematei num soluço
doloroso, entrecortado..
E foi o mesmo resultado:
quatro palmas... nada mais...
Depois disso, gargalhei,
fiz louco na madrugada
chamando Maria Alice
que era noiva idolatrada
que fugiu com um viajante.
"Maria Alice morreu
só porque foi traiçoeira
tu não vês que eu estou chorando
eu sou teu bem-amado...
Volta... volta pra meu lado..."
E a platéia escutava
em pasmaceira sonolenta.
Então eu comecei a declamar:
Romance de um menino de circo
que deu dez saltos mortais...
Aí todo o mundo se mexeu,
muito pescoço espichado,
muita cadeira rangeu,
olho fechado se abriu,
um interesse desusado...
Eles esperavam
que eu fosse dar os dez saltos mortais...
Marilita Pozzoli