O futuro é um felino exato:
não há palavra humana
que o escreva.
1
Ridente, a inferioridade
resplandece na cabeça:
habitat de muitos versos.
Hiena nada sutil, essa
caçadora da desistência
é toda perseguição
à vitima desatenta.
Finda faminta porque
na verdade dos caçares
Leopardos são mais velozes.
2
Escondidos nas distâncias,
poemas almejam o jogo
que existe entre a vida e a morte.
Lançados dentro da arena,
eles nunca salvarão
um poeta que constrói circos
visionando os próprios dentes.
No coliseu das imagens
a vida canta vitória:
Leões devoram pecadores.
3
Nos caminhos do papel
o tempo cobriu de sol
todo o deserto da vida.
A vastidão da palavra
resiste à umidez
para preencher com estiagens
o branco e seus infinitos.
Nestas securas, os olhos
do poeta verdejam águas:
Tigres intactos do medo.
4
Poemas cegos de futuro
abrigam-se nos recônditos
do leitor desconhecido.
A ineditez de quem lê
intensifica o destino
concebido pela fera
quando trouxe à luz, sua cria.
A salvação da loucura
dá-se no encontro das sombras:
silentes, Panteras dormem.
5
Lapidar a permanência
com o cinzel da lágrima:
esculpi-la letra por letra.
A cada poema que nasce,
madrugadas se acumulam
constituindo tentativas,
verdades e outros cansaços.
Efígie inacabada
a poesia segue, afinal
Linces extintos não choram.
Rubens da Cunha
Do livro: "Campo Avesso", Editora Letrad'água, 2001, SC