Menino que lava carro pelas ruas da cidade
Eu te contemplo nesta tarde que se adensa
E sinto uma enorme vontade de conversar contigo
— mas nem tenho o que dizer -
Estás tão ocupado, ensimesmado em teu trabalho,
que nem me darias atenção.
Observo o movimento de tuas mãozinhas
e resolvo conversar contigo de longe.
Olha, menino, olha o céu.
O céu amanta a cidade com nuvens que anunciam a noite
As estrelas mal despontam, pálidas...
é noite de Natal, não lembra? Ou não te deixam
lembrar?
Passa uma última vez a flanela molhada nessa tua alma criança
Lava as chagas do corpo que a vida te pôs
Limpa a tez escura e suja de tua existência
Fecha a torneira aberta, a te respingar, intermitente
Enxuga a lágrima que cai, quando o rosto teimoso se volta
em direção aos meninos felizes,
contemplados com os brindes de Papai Noel...
É que este não te viu!
Vives tão escondido atrás dos carros
Limpando, limpando, como queres que ele te veja?
Recolhe-te nos trapos da noite e mesmo cansado - sonha!
Menino, ouve:
È Papai Noel quem te bate à porta...
O Noel, não o pai que te deixou ao relento
Pequeno grande arrimo da vida que sustentas nas mãos
É aquele velhinho bom que não te repara as vestes rasgadas
Nem teu cabelo enlinhado e sujo.
Não é o pai que te despiu um mundo mal feito de começar
como adulto
Mas aquele que te afagará, te beijará e te levará
aos parques de diversão
para que te enchas de luzes
E deixará que teu olhar vaguei pelas ruas enfeitadas
E gravará em teu rosto a fotografia do êxtase, do contentamento
infinito
E deixará ainda que escolhas o mais bonito dos carrinhos
Dos bate-e-voltas, dos ursinhos de pelúcia, dos robôs
que se auto-iluminam
como a pestanejarem para a tua sorridente alegria
Anda menino, é hora.
Vai dormir, que sonhar é o que te resta.