Escrevo noites a fio,
tentando me conhecer
Sinto a vida derramando,
e a alma escorrendo pela tinta da caneta
Quero dormir, mas há vida a derramar
Em palavras me transporto, e não me importo em me mostrar em
prosa
Insisto, gosto e me leio , da cabeça aos pés
Dos ganhos aos revezes,
como um resumo me vejo,
completa e dentro do prumo
E que assim o seja,
para sempre,
eu e o papel,
e meu coração
E que depois o lendo,
possa entendê-lo eu mesma,
aquele que mora em mim e desconheço,
por completo, sua razão
E quando vejo, salta-me à mão o lápis
E antes mesmo que eu queira
Já me transportou completa , inteira
Ao branco do papel
Assim das agruras da vida escrevo,
e das ranhuras do coração bebo,
Ainda que doa,
o vinho da inspiração
Assim, vendo o que me digo
Tiro grandes conclusões
Tento me entender a alma
Busco saídas, razões , calma
E na madrugada ,
durmo o sono de quem fez palavras
E delas frases, contos , histórias,
mentiras, boatos, memórias...
Tudo que me vem à tona
Agora encaro, enfrento dragões
Do peito medroso tiro coragem,
de quem se escreve aos montões
E lê suas linhas da vida
No após da noite não dormida
Livro, livro meu me contas,
quem sou?
Desvendo mistérios
Me vejo em versos
Me conto mentiras
Nas quais acredito,
piamente
Pois que tiro de mim as cracas
Pesadas, antigas , me solto
O lápis paciente escreve,
e espera,
O tempo das minhas memórias
Lá me ponho
Para me ver depois
Me escrevo nas noites,
para me ler nas manhãs
E entendo essa que surge do papel
Que dança a dança das letras
Mulher que se escreve aos poucos,
e morre aos poucos na escrita
Mas surge ao ler-se,
ressuscita.
Durmo vazia então
Do que me esvaziei na noite
Escrevi-me
E já não tenho traumas,
nem medos,
nem paixões que doem
Nem dúvidas, tropeços, dilemas
Nem labirintos me surgem
E pesadelos não me chegam
Durmo um sono de mulher inteira
Sono de mulher poeta
Escrita aos pés da cama
Desnuda de mistérios
Escrita em versos sérios
Sem medo do amanhã
a dor de ler-se
E ME VEM ENTÃO A PELEJA BEM "NO" DENTRO DE MIM,
O CORAÇÃO INSISTE EM SE ABRIR,
OS OLHOS QUEREM FECHAR E DORMIR.
E SE JÁ O CORPO SE CANSA,
INSISTE O CORAÇÃO NA DANÇA,
DE DECIFRAR O QUE SE ESCONDE EM MIM,
DE ESMIUÇAR O QUE LATEJA ASSIM,
E PERGUNTAR O QUE PROCURO EMFIM.
E ARRANCA DE DENTRO DE MIM E ESGUICHA,
COMO UM VÔMITO.
E SINTO UM CORAÇÃO ATÔNITO,
DESESPERADO DE SABER DE MIM
E A PONTA AFIADA DO LÁPIS CORTA A CARNE,
E GRITA , BERRA BEM ALTO O QUE NÃO QUERO OUVIR,
E VEM LEMBRAR DE AÇOITE NO MEIO DA LONGA NOITE,
TUDO AQUILO QUE ME FEZ DOER.
AQUILO QUE O CORAÇÃO RENEGA
E QUE A BOCA CEGA
PORQUE DOEU DEMAIS
E ESCREVE, ESCREVE O OUSADO, ESTÓRIAS DE MIM SEM PUDÔRES.
COM LETRAS PEQUENAS AS ALEGRIAS,
E GRIFA , SUBLINHA EM NEGRITO A PARTE DAS DÔRES.
E SUBSCREVE AQUILO QUE DÓI,
A TRADUÇÃO DE MIM QUE NÃO QUERO LER,
OS CAMINHOS QUE PERCORRI E NÃO QUERO REVÊR,
A BEBIDA QUE SACIA MAS CORRÓI,
AS LETRAS QUE JUNTAS FORMAM PALAVRAS CRUÉIS,
AS PALAVRAS QUE JUNTAS FORMAM ESTÓRIAS TRISTES,
E AS DATAS QUE JUNTAS FORMAM A VIDA DA GENTE...
DATAS DE RISOS , DATAS DE LÁGRIMAS,
DATAS DE SIM , DATAS DE NÃO,
DATAS PRA SE LEMBRAR PRA SEMPRE,
DATAS PRA SE ESQUECER DE PRONTO,
DATAS DE UM CALENDÁRIO ESCRITO PELAS MÃOS DOS DIAS E
DAS NOITES,
PELAS MÃOS DAS HORAS,
PELAS MÃOS DOS SIMS E DOS NÃOS,
PELOS LÁPIS DA VIDA ,
NOS CADERNOS DO TEMPO,
TUDO AO SABOR DE UM VENTO,
QUE PODE SOPRAR OU NÃO.
PORQUE A VIDA NADA MAIS É DO QUE UM MONTE DE DATAS
QUE UM PEQUENO LÁPIS ESCREVE NUM PAPEL,
ESSA VIDA QUE ME FAZ TRANSEUNTE DE UM CAMINHO DE ERRAR,
A MERÇÊ DE UM HUMILDE LÁPIS QUE EM MINHAS MÃOS
ME VEM AFRONTAR,
TRAZENDO UMA VERDADE ESCRITA QUE BEM MAIS QUE DITA
ME VEM COMPROVAR,
A DOR DE LER-SE A SI MESMO E CONSIGO PRÓPRIO,
E DE VER AQUILO QUE TE FURA O "DENTRO",
QUE TE DÓI NO CENTRO DO QUE NÃO SABES AONDE É
,
UM LUGAR LÁ DENTRO QUE NÃO SE PODE MANIPULAR ,
NEM MESMO COM AS PRÓPRIAS MÃOS.
E SABER QUE SÓ ESCREVE COM A ALMA QUEM SE DÓI,
E ALEGREMENTE SE MARTIRIZA,
POIS TRISTEMENTE ALEGRE SE POETIZA,
E A ALMA RI DA DOR QUE SE SAI,
MESMO QUE MOMENTANEAMENTE,
DO VERMELHO DO PEITO PRO BRANCO DO PAPEL.
POIS QUE O DOM DE ESCREVER-SE,
É RISO E LÁGRIMA,
É ALÍVIO E DOR,
TUDO JUNTO,
COMO UM FURACÃO QUE REMEXE TUDO POR DENTRO,
SEM POR FORA UM FIO DE CABELO BALANÇAR.
PORQUE ESCREVER E LER DE SI,
É OLHAR NO ESPELHO , COM O CABELO TODO ARRUMADO, O ROSTO TODO
MAQUIADO ,
E VER AS ENTRANHAS,
POR MAIS ESTRANHAS QUE LHE POSSAM PARECER,
POR MAIS ENTRANHAS QUE LHE POSSAM APARECER,
POR MAIS ESTRANHAS QUE AS ENTRANHAS POSSAM SER.
E QUANTAS MÂNHAS INVENTAMOS PARA NÃO NOS VER.
PORQUE NENHUM FANTASMA NOS ASSUSTA MAIS ,
QUE AS NOSSAS PRÓPRIAS E VELHAS ENTRANHAS...
E ASSIM POR FIM, AGRADEÇO AO "PAI",
PELO QUE SAI DE MIM E DIMINUI O PESO,
PELO QUE ME ESVAZIA E ALIVIA O FARDO ,
E ME DÁ ASAS, POR ALGUM MOMENTO,
PRA VOAR DE MIM...
Silvia Camargo