Na década de cinqüenta
o Brasil era ferroviário.
Em cada cidadezinha havia um túnel
de mistérios e de infâncias:
era a estação do trem.
A Maria Fumaça
enroscava-se nos morros
e vinha fungando, furiosa:
“Já te pego, já te mato,
já te faço cumê barro!
Já te pego, já te mato,
já te faço cumê barro!”
No verão, os dormentes escaldantes
eram o telégrafo dos sonhos:
a gente encostava a orelha
só pra ouvir o cochicho
dos “japas” e dos “chinos”.
Lá longe, do outro lado do mundo,
ainda havia o fumo dos dragões
e Hiroshima vociferava o futuro.
À noite, sob as cobertas,
apitos urravam as serpentes do medo.
E silenciavam os soluços.