ARCANO XVI

Amanheceu chovendo.
O céu escuro, embora cedo,
parecendo noite,
anunciava em mim
o pesadelo,
a insônia, o fim.

De repente caía chuva
por dentro,
por fora
e tua imagem distorcida,
desenhava colorida
a poça encharcando o fim.

Cansaço preenchia
lacunas vazias
e me percebi à frente
correndo para o abismo.
Projetava-me para o nada,
entorpecia o sentido de fim.

Parecia sim,
um momento de lucidez
em que se permitia ver
o engano, toda a sua estupidez
e enquanto torpe,
tamanha visão de desgaste
previa, sabia, entendia
ser fim.

Se doía, não sei,
não sentia.
E se me dissessem
não acreditaria
no raio, na chuva,
que atingiu
a vida em segundos,
que ruiu tudo
que destruiu tudo
em que tocou
em mim.
 

E se me perguntassem
Não dizia.
E se me procurassem
não queria.

Não sabia se o raio
vinha do teu sorriso.
Não sabia se a chuva
vinha da palavra
ou se do silêncio.
E assim,
deixando escorrer a lama
por entre os dedos,
mão aberta
em delirante falta
de ação
Deu-se o fim.

Havia por entre os lençóis
do quarto,
um frio de estação,
que nunca mais passava,
como se de repente
a neve cobrisse
e enterrasse o fogo,
que a lareira acesa
queimava em minha casa,
minha morada,
minha vontade,
que não tinha fim.

Tremia o corpo gelado
e por através da parede,
vinda do outro lado,
(o lado que não quisera ver)
a morte também gélida
arrastava pesadamente com ela
a inconsequência,
delícia de ser, mesmo se não era
e lhe impunha fim.

Acordei fremente
não como mudasse de idéia,
mas como se pusesse lentes,
como se acendesse a luz,
como se a àgua toda que caía
(a àgua que a tempestade produz)
limpasse a tinta guache
que lhe pintara a face
que não brilhava
que nunca brilhou
pra mim.
Amanheceu de mim
sem ser triste,
sem remorso,
mas sem euforia
e sequer eu sabia,
que a ignorância
era só minha,
que a escolha
era só minha
e agora havia
um vazio estranho
de quem erra sozinho
como eu
sozinha estava errando.

Alguma estrela poderosa
apiedou-se generosa
de mim
e cometeu suicídio
em frente aos meu olhos
e se fez supernova
e tirou-me da treva
para um dia de inferno,
de inverno chuvoso,
que alagando a minha rua,
que se inunda intensamente,
devolveu-me a consciência,
me acordou,
que eu não estava em mim,
me avisou de não estar vendo,
me gritou para a bobagem,
a ridícula insensatez
de estar impunemente
vivendo.

Fim.
Enquanto isso
nem chorava
nem ria
não ter vislumbrado o absurdo
que seria
não se tivesse
dado por mim,
assim como foi o princípio,
nunca questionado,
nunca questionado,
o fim.

Patrícia Evans

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