J'ai une maladie: je vois le langage
Roland Barthes
I
Ainda sei da fala e sei da lavra
e sei das pedras nas palavras áspedras.
E sei que o leito da linguagem leixa
pedregulhos na letra.
É como o logro
da poeira na louça ou como o lixo
nos baldios do livro.
Ainda sei da língua e sei da linha
do luxo e suas luvas, amaciando
os calos e os dedais.
E sei da fala
e do ato de lavrá-la na falavra.
II
Divido a minha dívida nas letras
dos mais dieversos câmbios de expressão.
No espaço um tanto ambíguo do meu giro
se cruzam e se ofertam capitais
dicções, contradições e perdigotos.
Há lucros e aluguéis na agiotagem
das comissões sem câmera e sem nada.
Há moras e demoras no recinto
mais amplo da linguagem.
(Cada gesto
continua medroso, nomeando
os contornos das coisas que se deixam
recortar no prazer de sua essência
e miragem.)
Agora sei do timbre e sei da cãimbra
sei dos ritmos impostos, sei das taxas
e dos juros pesados de infl(r)ações.
Alguém rescinde agora o seu contrato
e vai amortizando a derradeira
epifania do universo.
Gilberto Mendonça Teles
Do livro: "Falavra", Dinalivro, Lisboa, 1989