eu sempre calado
entre estranhos dobres
eis-me limitado
por estanho e cobre
eis-me emparedado
no meu quarto pobre
ainda mais me calo
por mais que me dobres
sempre o mesmo avaro
por mais que me cobres
parco de palavras
e outros marcos úteis
nessas minhas lavras
sempre mais inúteis
memórias escravas
minhas cobras fúteis
meus anjos de lavas
trevas barros súteis
eis-me em lande escassa
longe as formas dúteis
esse o meu destino
moldar a estrutura
de encruados mitos
na pedra mais dura
forjar um estilo
de vaga ventura
nesta arte prossigo
hera de ternura
neste brando rito
palavra mais pura
do quarto as paredes
a pele do corpo
isolam as sedes
deste vário horto
lançadas as redes
onde tudo é morto
onde eram as lendas
é um olho torto
por que se desvendem
as vozes do orco
e o que era talvez
um menino antigo
finda-se de vez
desse mito findo
o muro de pez
e íntimo granito
dessa viuvez
no verbo falido
um poema não lês
não se lê o olvido
José Carlos Mendes Brandão
Do livro: "O Emparedado", Cia. Editora Americana, 1975, RJ