Eu quero gritar meu grito!
Lançar meu lamento ao infinito,
e ao som, do zunir do vento
mostrar que o meu sofrimento
já é demais!
Senhor, venha cá ver:
assim não pode ser!
Olha meus filhos morrendo...
Olha esse sol torrando...
e eu suando
de tanto trabalhar...
Isso não é viver!
Há tanta gente com tanto,
sem saber o que fazer
do próprio ócio da vida...
E eu gemendo e plantando,
Gemendo e construindo,
abrindo estradas pro norte,
abrindo estradas pro sul,
e o estômago doendo.
latejando...
sem nada para digerir.
Porque, Senhor, esse sofrimento?
Porque não passo educar meus filhos?
Porque não posso sentir prazer,
de viver, de sonhar, de amar?
— Quando minha mulher morreu,
o padre me disse que ela tinha ido pro céu.
E que estava feliz no céu...
e que tinha tudo no céu!
Porque não teve
ainda que mal pergunte
minha pobre mulher o direito à terra?
E foi preciso sofrer e morrer para ter o céu!
Chega Senhor! Olha pra minha mão:
mão de operário,
mão de lavrador,
mão de funcionário,
mão de sofredor!
Mão de gente sem casa,
mão de gente sem terra,
mão de gente perdida,
mão de gente sofrida,
mão de gente sem nada!...
Eu nada tenho de meu...
passei a vida labutando...
e nada tenho de meu.
Exceto a liberdade que me dão
de passar fome, de não ter nome,
de sair à rua, de olhar a lua,
de aos domingos sentar na sarjeta,
de receber gorjeta,
de procriar quantos filhos eu queira...
De crer em Deus todo poderoso,
de matar meu irmão,
de beber cachaça,
de rir da minha desgraça,
de cantar minha canção,
e de ter ilusão!
Senhor, é necessário que nada exista
acima das estrelas, para que essa ironia se justifique;
ou então. que tudo não passe de um jogo floral de palavras,
um hábil disfarce, uma carnavalesca máscara sacra,
para que o justo se anule, e o injusto se sobreponha!
Entretanto é preciso crer.
Mais do que nunca é preciso crer!
Ainda que a esse Senhor coubesse a escolha
de quem deve nascer Matarazo ou Zé da Silva,
Ainda assim é preciso crer...
Ainda que esse Senhor, descendo do Olimpo,
provasse ser mortal, ainda era preciso crer...
mesmo admitindo a injustiça de uma criança paralítica,
ainda é preciso crer!
Pois de alguma forma é preciso lutar.
Lutar contra o desânimo!
Lutar para que os homens
levantem a cabeça e protestem!
Lutar pelo direito de viver: Decentemente!
Lutar pelo direito de morrer: Decentemente!
Lutar com altivismo
Lutar com heroísmo!
— Se nada se tem a perder, —
que importa morrer?
Morrer com dignidade...
Morrer pela mocidade...
Morrer pela liberdade!
- L I B E R D A D E!!