A minha poesia não vai te fazer sorrir
Não vai te fazer suspirar o amor
Vai te fazer chorar
Vai te fazer sentir todo a minha dor
A minha poesia não traz os cânticos
Traz os quânticos
O seco, o ardor, o pobre... a fome
A minha poesia não é para amantes
Sonhadores, colegiais e santos
Não é utópica ou esperançosa
É carregada de maus ventos e prantos
A minha poesia não comporta
Os anseios da donzela na janela
Mas os anos pós maturidade
O crescer da vida, e o mal que existe nela
A minha poesia não traz o drama inglês
A novela russa ou a nostalgia francesa
É o Jeca Tatu, o tango portenho
A ignorância e a falsidade portuguesa
É a dor do pobre que não tem à comemorar
É a dor do rico que não sabe partilhar
É crueza do mísero como do abastado
No silêncio que antecede o ninar
A minha poesia é o morro
A favela, a antena de televisão
É a policia desalmada
É o grande assalto do pequeno ladrão
É a mãe abortando o filho do acaso
É a criança vendendo o corpo com chiclete no sinal
É a fuga fácil para as drogas
É a sangria da página policial
É o amor proibido do convento
É a traição em juras desconfiadas
É o político eleito pelo analfabeto
São as histórias mal contadas
A minha poesia é a da casa
É do lar sem marido
Do órfão, da prostituta
Da prisão, do choro escondido
É o plágio, o morno, o pirata
É a do esforço não recompensado
É a seca queimando tudo
É o casebre todo alagado
É o time que perdeu
A empresa que faliu
São os burros n’água
A namorada que partiu
Não é para fracos
Nem os fortes a suportam
É a poesia dos fatos
Das realidades que brotam
A minha poesia nem isso seria
É uma arte desclassificada
É o canto sem encanto
É uma expressão de quase nada
A minha poesia não fará sucesso
São sobras de um copo de vinho
É o devaneio de um nunca artista
É o glamour de quem esta sozinho
A minha poesia é quase honesta
É quase despretensiosa de cobiça
Mas tem de falso, ambição e é influenciada
É o ganhar pela preguiça
São versos palios da nossa realidade
Que ajudei meus comparsas à implantar
É o combate com meias verdades
Do sistema do ouro que quero acumular
A minha poesia é manipulada
Por essa corja que domina e entrava
Esta presa ao “eu” transformado
Louca para deixar de ser escrava
Livre, ter vida própria, sumir de mim
Um escritor sofrível
De ensaios e escritos pobres
Tornar-se amor, se fazer legível
Há! a poesia engana
Como enganou por tantos anos
A quem viveu enganando a vida
Esse fardo de desenganos
Mas o que seríamos sem enganos
Sem música, tintas, cenas e fantasia?
O que seríamos sem o sonho
Sem esperanças, amor e poesia?