Quando o último tiro foi disparado
Eu voltei
A guerra acabara
Juntei meus restos
Tomei a estrada
Desviei os cadáveres
E voltei
O tempo correu pouco
A vida perdera o gosto
A nossa vitória foi amarga
Ganhei o quê? De quem? Pra quê?
Mas a ordem era ganhar
E ganhamos... matamos tantos!
Meu primeiro assassinato foi duro
Chorei, orei e pedi perdão
Os seguintes nada senti
Acumulei os choros, as orações e os perdões
Tudo pro final, se vivo ficasse
Mas ao acabar, só chorei...
Não tive forças para mais
Numa carona, aproveitei o retrovisor
E flagrei meu rosto velho
Não adiantou virar depressa
As rugas continuaram lá
A barba desordenada
Cobrindo algumas cicatrizes
Mas barba dá-se um jeito
Quanto às rugas...
A farda farrapada coberta de medalhas
Barro nas botas
Calo nos pés
Mãos mal tratadas
Bicho-do-mato
Aplausos! Vivas! Discursos!
Comendas de cidade pequena
Nada me arrancou um sorriso
Um gesto dócil
Nenhuma honraria me modificou
Bicho-do-mato
A esposa envelhecera
Os meninos cresceram
Tantos anos...
Mais lágrimas, abraços... calor humano
Água fresca, sem sangue
Roupa cuidada
Banho quente, silêncio e música
Cama macia, um beijo e uma prece
Um sorriso com café da manhã
Já não tinha jeito pra fazer amor
Mas tentei
Dormir fora da trincheira é tão estranho
Mal cochilo
Ao mais leve mexido, pego o fuzil
Mas já não há mais fuzil, nem inimigos
São meus pesadelos que me perseguem
Desde o último tiro de fuzil