Um dia, em tenra infância
Viajei de trem, pelas estórias de vovó
Pedi em prece a Virgem Maria
– Quando ainda acreditava na “virgindade”
Pra me fazer viajar de verdade
Tudo tão distante
Via os trilhos
Só por revistas em quadrinhos, bang-bang
E as estórias de vovó, é claro
Chamavam de Maria Fumaça
Nunca soube ao certo por que tal
Criei minha teoria à respeito
– Maria, pela bondade, e Fumaça, pela fumaça
Até hoje penso que seja
O tempo passou e Maria Fumaça aposentou-se
Minha avó, que andou nas Marias, também
Que inveja dela, nunca encalhou
Nem foi deixada ao relento, para enferrujar
Andei, cresci, ganhei dinheiro; e:
Finalmente viajei num trem de verdade
Mas já estava sem fumaça
Não se chamava Maria, só trem
Assim, simples, sem encanto: trem elétrico
Nem poluir, polui. Nem barulho faz
Quase não se percebe trilhar
Viajar de trem é tão comum
É pra qualquer um
Com qualquer veste
Não é chique
É coisa de pobre
Não vale um sonho
Uma estória de ninar
Ninguém mais conta estórias de trem
Ninguém faz mais bons filmes de trem
É como tudo hoje, meio artificial
Hoje quando lembro de alguma prece
Dentre os meus pedidos de pouca fé
Imploro ao santo em voga, mesmo impuro
Que me leve para longe do trem