CONCREDO
Escreva para mim, que quero ser musa. Cansei de ser poeta.
Arremesso palavras como quem lança setas, mas não sou
cupido.
Só poeta. Mas cansei de ser poeta.
Busco soluções no espelho
Mas descubro só uns olhos arregalados
Uma expressão de assombro e espanto
E um chumaço ruivo caindo na cara.
Isso não é material de musa. Só de poeta.
Mas poeta não é amado a não ser vicariamente
E não quero ser amada vicariamente.
Quero ser amada em prosa e verso e sentir a sensação
vazia e divertida
Mas divertida não é tradução de exhilarating!
Que é ser inspiração.
Ah, droga! Cansei de ser inspirada.
Tenho curvas e enleios e anseios como qualquer musa que se preze
E sei fazer poemas na cama melhores ainda do que os que profiro
Nas páginas vãs de livros que talvez nunca sejam lidos.
Mas em que cama hei de proferi-los?
Ah, que me calasses a boca com um verso!
Eu me calaria.
Pelo menos calaria minha própria verve
Ouvindo elegias às minhas graças, que bem as tenho.
Talvez até descansasse de ser poeta.
Onde se pode comprar vestimentas de musa?
Sei de todos os endereços onde se compra inspiração
E as esquinas todas onde se compra versos.
Só não sei onde se compra o ser-se algo mais do que sou
Porque o que sou não basta
Para ser poema.
Poema é o que faço, não o que sou.
Mas não quero ser o que sou!
Quero ser palavras, mas não as minhas.
Quero ser, apenas.
E depois do poema findo, que não seria o meu
Eu teria o direito de me encerrar em reticências.
Ou em ponto.
Final.
Dalva Agne Lynch
«
Voltar