A despeito de tudo
continuo do mesmo jeito
o chão abriu-se a meus pés descalços
caí na armadilha como Alice em seu precipício mágico
sabendo que todo final é a ponta de um novo início
A despeito de tudo
tenho sobrevivido às tempestades
mantido a dignidade das aparências
enquanto a alma se esfarrapa em manchadas tiras
este coração se tritura em sustos e frituras
correndo à risca o que o destino dita
ou o que indica as cartas de tarot
Aprender é uma questão de acreditar-se vivo
ser barro ou cobre nos dedos artesanais dos minutos
com toda a dignidade de um pintassilgo
que mesmo preso no visgo
canta seu código ao mundo
desacreditando-se de gaiola e viveiros
É a vida, camarada,
bate o anjo suas leves mãos em meus ombros cansados
sopra-me palavras nos ouvidos
atira-me estrelas nos olhos
estar atento aos indícios
às configurações dos farelos sobre a mesa
sei das bulas e regulamentos
conheço os perigos e corro os riscos
peixe no anzol, mas dentro d’água ainda
feliz por nadar tão rápido em direção contrária
Em tudo se aprende
não há como se livrar das limalhas sendo um potente ímã
juntam-se folhas e poemas, fungos e rascunhos
uma frase de Ferlinghetti, a imitação de Renoir na parede
esta rede de fios eternos
onde me deito para morrer e renascer a cada noite
de cada dia