Falarei às rochas inertes das cachoeiras,
ao pó vermelho dos barrancos
e às águas borbulhantes dos rios inquietos.
Minha voz ferirá o tímpano das árvores
e ecoará no brilho efêmero da caliandra,
ouvirei histórias de lavadeiras, casos muitos
de soldados e putas, bênçãos de mães ingênuas,
prendas de mãos sofridas.
Lembrarei imagens rançosas
de sábados festivos e domingos preguiçosos.
A fuligem dos fogões da infância
forrará de silêncio uma lágrima teimosa
e farei um verso besta qualquer
que não fechará poema algum,
não abrirá a porta dos sonhos
nem me fará amigo dos poderosos
de cobre e de mando.
Serei farto também de odores saudosos,
como o das frutas maduras
preparadas para o tacho em que ferverá o doce
(alguma voz de pai, severa e grave, dirá de carinhos
mas não será para um filho distante, ausente ou triste).
Haverá na lembrança o odor das fêmeas,
o odor químico das perfumarias e o mágico
dos frascos artísticos, mas haverá ainda
o odor onírico do desejo
em que um misto de doce e de acre
excita a carne do macho.
Noites tediosas das amplas cozinhas
à luz do borralho antigo:
Criadores de sonhos e imagens;
fazedores de casos contados em roda,
poetas não agem senão na essência inibida
dos viventes pensantes.
Tudo é forma de se construir saudades.