É preciso amar-te além da conta
para decifrar-te;
e mergulhar cem vezes
nos teus igarapés,
frio arrepio de sépia e tanino,
para que fiquemos puros
e melhor profanemos os túmulos
— cópula e ossuário —
dos nossos mortos,
de preferência os mais ilustres!
e mastiguemos o pó nosso de cada dia,
com o talo do jambu,
num ritual de cuias e tacacás,
sarapatel e sarabandas:
macunaímas redivivos!
É preciso que todos os dias
desrespeitemos os teus "mestres"
oh desvairada cidade!
para que eles nos aceitem
como frutos do teu ventre,
grumetes desse mar de sífilis
e poder sentir
o macio dos teus cabelos
— erva-de-passarinho —
escorrendo por alamedas
estreitas.
Alameda dos Tamarindos, Beco dos Enforcados,
Rua das Gaivotas, Travessa da Estrela,
Travessa do Sol, Travessa da Lua,
Praça da Trincheira, Praça do Pelourinho.
ruel;as de cariadas casas
de saibro e taipa
onde a memória
mais antiga,
remonta à homenagem
ao Frei José dos Santos Inocentes,
que virou nome de rua
por ser um inocente expert
em matar silvícolas
com as roupas dos variolosos:
Santo Guerreiro Bacteriológico!!!
Alguém viu um curiboca por aí?
Ah! Manaus, a tua loucura verde
é algo que não se aceita,
vive-se!
É preciso matar-te cem vezes
para aprender-te.
Teu hábito morno
— mormaço das caieiras —
o fogo quente das tuas mulheres
sezão-vapor-de-alumbramento,
namoro anglicano
que te custou
o exercício de arquear
semore as pernas
como as polacas do Cabaré Chinelo.
Procura-se um homem que saiba
do paradeiro do "Sauim de Coleira"
primata em extinção
por ordem e graça
da santa colonização!
procura-se uma gleba
ou uma zona,
franca;
para hospedar
temporariamente
os mundurukus, os sateré-mazwé e os waimiri-atroari,
(três grandes nações em extinção)
até que uma gripe mais forte
os separe para sempre
dos primatas da civilização.
Procura-se um homem que atende
pelo nome de Messias,
salvava almas
vendendo frutas
embaladas no número mais recente
do jornal "Novos Rumos":
— E olha o pajurá de rechaaa...!
cupuaçu, tucumcã, pupunha e a
laranja mimo do céu!
frutas comidas de comum acordo,
logo,
comunistas!
Ah! delírios febris
os da esquina da rua d'América
até o largo do beco Brasil:
Ptolomeus & Cohen's
traçando o centro
de todo universo.
Manaus falando para o mundo!
E como um faraó alucinado
o engenheiro Eduardo Ribeiro
tratou de fazer
(rápido e rasteiro)
um mausoléu lírico
para deleitar-se
com carusos & saras,
a ópera da selva
(o mito e a fábula)
o vetusto Teatro Amazonas.
P.S. - O historiador avisa,
que nem Bernhardt nem Caruso
pisaram no dito teatro.
Mas os meus vizinhos
e toda população
juram-de-pés-juntos,
que o historiador se esqueceu
da história que sua avó lhe contara
há dez mil anos atrás!
D verdade bem verdadeira
lembro o que me ficou da infância:
os peitos das coristas
o torneado
no fim da espinha dorsal
da segunda bailarina
do espetáculo "Tem Xique-Xique no Pixoxó!"
Ah! Manaus, a tua loucura verde
é algo que não se aceita,
ganha-se !
É preciso deflorar-te cem vezes cem
para amar-te !
— Alvíssaras Rainha Mãe !
A borracha já é nossa,
mas a zona está dividida e,
faz-se mais que necessário,
alimentá-la - spoon fed -
e salvá-la:
GOD SAVE THE FREE ZONE
E salve-se quem souber,
e tiver boa memória:
cem anos de Manaos Harbour
e outros tantos dos bonds
(que não foram vendidos aos mineiros),
e mais ou menos 320 anos
de bater calçadas
no trottoir pelo roadway:
frisson de elétricas pernas,
mas não sem a presença austera
de um súdito de sua majestade
para que - munido de fita métrica -
ficasse mais à vontade
a medir o comprimento
dos vestidos das nativas
de tornozelos roliços.
— E no da rainha não vai nada?
Perguntaram-se ontem
o velho habib Tufic, com seu teque-teque
em cimitarra,
e o minhoto José Joaquim
fã do remelexo da Delzuita
eta cabocla danada!
— E na dos cartéis não vai nada?
Pergunto eu perguntamos nós
atônitos e transistorizados.
— E onde ficamos nós teus cidadãos?
Tratando de cobrir nossas vergonhas,
fiéis tapuias que somos?
Ah! Manaus, a tua loucura verde
é algo que não se aceita,
vomita-se!!!