As estranhas sombras que nascem do luar que rasga a madrugada,
escondem atras do manto noturno o medo e a vergonha
do que possa revelar a luz : rugas, cicatrizes, olhos
avermelhados,
de um mundo condenado a si mesmo...
Um velho caminha com passos indecisos entre poças remanescentes
da chuva que
passou,
Mantém entre os dedos trêmulos a bengala que o sustenta,
enquanto busca impedir que lhe escape pela enésima vez
o chapéu ao sabor do vento forte...
Nesta ausência de sons mecânicos, carros, portas, rádios,
tvs,
a testemunhar o tempo que ainda existe só o vento,
e os passos rocambolescos do velho solitário ...
Folhas secas, outrora verdes, úmidas, vivas,
hoje brincam entre si a correr pelas ruas desertas...
Um cão sem dono que se encontra em meio ao caminho,
arrisca levantar os olhos em direção àquele par
de óculos
que reflete a lua....
Vê pouco a pouco se levantar um braço que detém
uma bengala;
pouco a pouco compreende... mas não reage :
— medo, cansaço, incredulidade... resignação,
talvez....
Os olhos do homem brilham por trás daqueles óculos;
por um instante as veias tesas daquela mão parecem prestes a
explodir...
A seguir... nada... cai por terra um bastão e um homem
se põe de joelhos a chorar...
Lágrimas secas, amargas, ácidas percorrem o velho rosto
sulcado
pelo
tempo...
Ao longe uma janela timidamente se abre: um rosto surge entre
cortinas
amareladas;
olhos sonolentos presenciam uma insólita cena:
— Um cão desce a rua levando uma bengala entre os dentes,
enquanto sobre a calçada Jaz o corpo de um velho,
entre folhas que bailam ao sabor do vento suave...