Quando eu completei duzentos anos,
meu filho, de trezentos, me abraçou.
E todo o nosso prazer em sentir Tempo,
brotava feito flor, com muito alento.
E os anos não me roubavam nada,
decrescidos, eu fora velho, estava velho
e ainda era uma rocha seca sem inscrição.
Eu era uma lápide fria, uma pedra cortada
e arrancada do solo há uns cem anos, mas
amante de uma vida nem sempre fidalga.
.
De me erigir, de me construir nos estudos,
de vir me esquecendo e aprendendo, amei
a Poesia como os planetas amam sua órbita.
Por que seriam piões soltos se debatendo,
provocando e desprovocando um Deus ou
um demônio ou a Morte em sua força.
Assim vi planetas crescendo, vi poetas e
seus sonhos. Poetas são luz da poesia. Luz
rara, de uma palavra cara, rica e flutuante ao céu.
Todo o poeta é uma vogal, não uma consoante.
Quanto completei cento e setenta e cinco anos,
meu filho mais novo tinha quatrocentos. E
Hamlet estudava o teatro do absurdo se olhando
nos espelhos do olhar dos espectadores das praças.
Talvez fosse há ...quatrocentos e estudava o teatro...
Eu aprendia cada vez mais com as dificuldades.
Era uma nova vida na mesma eterna paisagem.
Alguns caminhos me desviavam da verdade, mas
afinal estava aprendendo, compreendendo o poema.
Este que escrevo, assim agora, este que é vital
força da vida, impregnada em cada linha
da luz encandecente do triunfo. Da dor, da angústia.
Nem tudo que pesquei foi peixe. Nem tudo que comi
foi pão. Não fiz nenhum milagre até agora, mas
deus
me prometeu uma melhora: outro olho na testa,.
para olhar o chão e o horizonte ao mesmo tempo.
Construir, de uma só vez, a cova , a fossa e o infinito.
Os dois lugares onde existe um arco-íris: humanidade e
flores.
Pois as flores aos amores foram concebidas. Ungidas rosas.
Encontrei-as e a elas dei amor e morte.
enquanto muitas mulheres me mataram e me matarão...
Pois os anos desse mundo todo estranho sobem ampulhetas
de areia. E não entopem as artérias do amigo Tempo.
Ao completar meus cento e cinqüenta anos
pintei um quadro renascentista e um futurista.
Percebi que devia voltar ao poema, na pintura era
turista. E mesmo não sabendo rimar na hora certa,
eu fiz um caracol de minha pessoa. Me enfurnei .
E das lágrimas que quase me afogaram, construi
um Rio para outro filho que nasceu de um beijo
roubado em uma pétala de Valquíria. Meu filho
fez um monumento para mim, quando eu não queria.
Quando eu só queria ser um por de Sol pra ele.
Então perdi a dor de ter dores. Ia viver de agora
em diante sem dores. Só dores (muitas dores).
Ao me confessar neste dia de aniversário, o padre
me disse sê-lo eu bom e de boa fé, isto sem acreditar
no padre ou em Deus. Construi uma igreja de ouro
só pra ver, só pra ter o elixir: a comunhão até
o fim.
Ainda não foi dessa vez que vi a beleza de frente.
Olhava o horizonte e jogava fogo no seu ventre.
E mais um filho ia nascendo velho, velho, velho.
com todos os anos do mundo para regredir, dexistir.
Quando eu completei meus eternos cem anos.
Minhas rugas começaram a sair de minha face de velho.
Comia formigas, palavras, verduras, colibris e fiquei
grávido de mais um filho. Dessa vez foi uma menina,
outra Rosa em minha vida, reluzente igual o Sol
iluminando calmamente os barcos e as canoas
do Rio feito para o meu filho. Fiz grandes obras na vida.
Mas não queria ser uma obra minha. Queria ser obra-prima.
E quando visitei Pompéia ficou claro pra mim.
Minha missão era ser mais do que um corpo num jardim.
Ouvia as sinfonias de manhã e meu pai se foi da vida.
Eu olhei para o céus e chovia. As lágrimas de Deus
eram as minhas, as de meus filhos, pois tendo vivido do fim
para um início, mesmo assim, fui homem é um precipício.
Um varáu de dores anímicas. Um atleta da destruição.
Por isso não apago dos meus versos, a minha dor
que outros homens provocaram. Por esta época fui monarca.
Rei absoluto. Procurava a mim nos outros. A pessoa
mais próxima e parecida comigo foi meu cachorro.
Fora quem me deu mais alegria, amor, fé...
Com sessenta anos vi a imagem de meu pai.
Ele veio me dizer que este poema que eu fiz,
já existia outro igual. Outro igual eu respondi
não existe nada igual a nada e nem tudo igual a tudo.
Na turquesa daquela noite eu me via remoçado
tendo passado quase toda a minha vida e eu estava
dentro de um castelo, me sentindo um Deus enjaulado.
Pude sorrir, de bom, com a mocidade vem os dentes.
E eu sorria, sorria para o quê, sorria para vida!!!
E para morte que seria a eterna despedida.
Mas confesso que passei a olhar os mares como olhos,
e os olhos como sonhos. Vi a grandeza dos gestos
simples, da minha nobreza e da minha ira.
Erigi um outro castelo para os meus filhos e fui mudando
um a um para perto de mim. Pois os filhos tem está função
quando remoçamos, são eles quem cuidam de nós.
Eu pintei meu terceiro quadro e rasguei, continuei o poema.
Queria ser muitos poetas num só. Percebi que sendo todos
não seria quem eu sou. Se ainda sou ninguém, depois
da morte, serei meus filhos, minhas flores, a poesia..
Com quarenta anos era um homem belo e tinha a sexualidade total.
Aprendi a perfumar-me como rosas para conquistar as rosas.
E então tive um filho velho que nasceu com quinhentos anos.
A languidez dos terremotos me causavam tédio e enfado.
O vulcão era doce como Emily Dickson com quem conversei.
Ela me disse, no sonho, que a natureza crescia bacteriologicamente.
E que eu estava sendo muitos em mim. Que cuidasse de mim.
Sempre escutei Emily com calma. Para poder escrever este resto,
segui os conselhos da Senhora e pedi a Deus misericórdia.
Passei a ser um só, talvez tarde, talvez eu mesmo ou não!.
Badalei feito um sino. Usufrui de minha humanidade e de meu
direito a vida. Fui Colibri da flor escravo e do amor um ion.
Calei a boca do vento em dias frios. Em dias que destrui mulheres.
Com palavras, presentes, beijos. Fui um amor dentro do amor.
E Beijei as bocas que quis. As vezes bêbedo, até as que
não quis.
Fui a ópera e vi o belo amor presente. Li em livros, vivi minha
gente.
E respondi com atos nobres cada ofensa. Construindo prédios
para os doentes e menos sãos. Bebi do vinho de Baco e quase
acordei de tarde, vendo televisão em mil oitocentos e sete.
Eu nasci com esta terra tão velha onde indíos comiam
o horizonte.
E no borbulhar de uma champanhe, fiz trinta anos.
Trinta anos esta noite, uma festa... Fui começando
a terminar meu poema, minha vida afinal eram
mais trinta anos. Meus filhos mais velhos liam Kafka
para eu dormir. Meus olhos enxergavam o brilho
dos olhos da noite. Tudo era belo. O encantamento,
o olhar. Eu fiquei furioso com o Tempo. Eu cuspi
em mim. Eu cuspi pro alto. E não dei direito aos velhos
e quis mudar as leis, para dar aos meus filhos o melhor sempre.
E o melhor sempre é não ter nascido. Não ter nascido
pra dor.
Eu saia para caça. Ia a casa de Ofélia. Ia a casa de Cadna.
Em cada uma deixava minha semente, mas só com uma
mais filhos. Voltei então para o castelo, para escrever os versos
de minha paz derradeira. Eu corria envolta de mim.
Procurava sem me encontrar. Pensava em ser um só.
Quem sabe um só, se fosse um e não sendo multicolor.
Se o amarelo fosse mais pólen para as nossas flores.
Ou vermelho, ou branco. Ou o colorido que é Rimbaud.
Sendo o que sou, sem muitas cores, não seria um pintor.
E o que sempre quis foi pintar e pintei com palavras.
Aos quinze de idade era uma criança carrancuda.
Queria por querer pintar todas as cores. Beber o líquido das
cores.
Mas eu na minha vida quis ser pintor e fui poeta,
não tenho mesmo que saber nada sobre as cores.
Brinco de espaço sendo o nada e de nada sendo o tudo.
Brinco de ser adulto e com quinze anos sou deposto de meu trono.
Meu lugar é dos meus filhos e eu não amo mais meus filhos.
Mas adoro os meus brinquedos. Como adoro!!!!
Levo as vezes uma palmada mas sou moderno e uso tênis.
Já larguei a poesia ou eu detesto tudo isso.
Pois assim foi a vida do final para o seu início.
Eu estou muito pequeno mas não muito pra escrever.
Ao atravessar a rua, eu fui atropelado e cai pra sempre
vendo, numa poça, as cores do arco-íris no asfalto negro.
Eram as cores que quis ser e pintar em meu poema.
Seria muito pouco, mas não foi pra mim....
Viver eternamente fazendo apenas um poema.
Cujo o Tempo ia morrer com os meus olhos.
A última imagem de uma vida impossível e irreal.
Pois viver da Morte para Vida ou da Vida para Morte é igual!