Não mudarás o mundo,
continuarás o sopro
de vir e estar vivendo.
Não mudarás o mundo,
nem a estreita andadura
deste búvalo solto.
O fogo que te vive
devorará teu corpo
II
Não mudarás o mundo,
mudarás a casa.
Não mudarás o mundo,
serás dilacerado
nos eixos que te giram
carroças e caminhos.
Desdobrarás teu corpo
na caliça dos dias:
não deterás o drama,
deterás a espada.
Não mudarás o mundo,
mudarás a casa.
III
Não vergarás as coisas
como haste de junco
a cingir teu pescoço.
Rasparás de teu poço
a solidez do inverno,
a nódoa, o infecto
verme e seu casulo
mole e quase interno,
sujeito a reparos
e a limpeza dos tordos,
na margem.
IV
A espada não preenche
o mundo com sua alça.
A bainha deserta
e o estranho desamparo
fazem da criatura
sua guerra mais dura.
V
As flores, neste reino,
nascem e se desfazem.
Os lemes não governam
as naves.
Aqui a lei se perde
para as coisas sofrerem;
o mundo se mede palmo
a palmo e se esgueira;
não é umbra, nem fonte:
é um lagarto arquejante
varando o ar com a proa.
Não mudarás o mundo
e o escasso inventário:
serás o abraço gasto
dentro do abraço.