Quanta ardente alegria, esplêndida e radiosa
que me passou tão perto, ao alcance da mão
e eu não soube alcançar, rebelde e caprichosa,
firme e obstinada na desilusão!
Quantos minutos de ouro eu já tenho vivido
sem deles exaurir a beleza, a doçura,
pensando que meu sonho está sendo iludido,
que tem restos de sombra e laivos da amargura.
Acaso, já pensei que me foi dada
uma alma de poesia deslumbrada,
divino condão de imaginar,
nervos vibrando, anseios de beleza,
e, sobretudo, a eterna realeza:
alma para cantar?
Pensei que há vidas áridas, vazias
sem cor, sem luz, sem canto, sem lampejo,
sem poesia, sem sonho, sem amor,
onde nada floriu, nem mesmo um beijo,
que não tiveram ânsias, alegrias
e um minuto de glória e de esplendor?
Por que hei de, rebelada e insatisfeita,
querer mais, sempre mais,
desejar, impaciente, a ventura perfeita
que este mundo não traz?
Vida! Agradeço o que já me tens dado;
(mais que os outros acaso mereci?)
e, olhos volvendo para o meu passado,
bendigo tudo o que já recebi.
Se não queres que eu abra as asas na sagrada
plenitude do sonho, em vôo transcendente,
para a felicidade e para o amor,
irei colhendo as flores pela estrada,
çontemplarei a altura resplendente,
transfigurada em rútilo fulgor.
Fique atrás do velário o sonho mutilado.
Sinto que vou viver cada minudo alado
e enquanto é tempo ainda, cantarei!
Quero sentir, gozar, minuto por minuto,
tudo o que a vida tem, cada flor, cada futo;
viverei! Viverei!
Do livro: "Seqüência do sonho", s/editora,
1971, RJ