Tenho servido a Deus, porque assim me ensinaram,
quando ainda pequenina, aqueles que me amaram.
E servi aos meus pais, seguindo-lhes a crença
que era boa, era pura e talvez fosse imensa.
E a servi-los prossigo, honrando-lhes os vultos,
fazendo do seu sangue o maior dos meus cultos.
Servi na mocidade a tolos preconceitos
que só fazem perdoar aos ricos e aos eleitos.
Como esposa servi longos anos a fio,
e fui, dentro em meu lar, o mastro de um navio.
os meus filhos servi com amor e ternura,
vendo sempre em seu bem minha própria ventura.
E servi como mãe, como poucas serviram;
para os meus filhos sempre os meus braços se abriram.
Servi à natureza, admirando-a, sentindo
em mim mesma que tudo o que ela faz é lindo.
Servi como mulher, amando e padecendo
e pelo amor de alguém tudo mais esquecendo.
Servi à minha terra, exaltando-a em poemas,
sempre nela buscando inspirações e temas.
Servi à própria vida e sem ter uma queixa
pelo mal que me trouxe e a angústia que me deixa.
E de tanto servir, ansiei a liberdade
sem ver que estava presa a outra servilidade,
que é servir ao Destino, às ordens terminantes
que continua a dar-me em todos os instantes.
Servi muito, servi até ficar cansada
de saber que, afinal, não sirvo para nada.