a gente teme sempre alguma coisa
ao menos como o tombo
como a bomba
como o conto do vigário
como o imposto sobre a renda
como o câncer, como a morte a gente teme.
a gente teme sempre os maus olhados
a gente teme a perda da esperança
a morte da bravura que cantamos
e teme vir um dia a ter temores
e falhar.
o medo é muito antigo vem de longe
vem na crista das ondas vem nos ventos
herança secular e resguardada
de pais e bisavós.
o medo vem do fundo. vem das trevas
aflora aos nossos olhos espantados
e dita suas ordens em latim.
a gente não discute. atende pronto.
a gente teme sempre tanta coisa
que nunca há uma surpresa nesse gesto
de aceitar.
Do livro: "Poemas de andarilho", Editora Leitura, 1969, RJ