à Hilda Hilst
Amordaçam-me a voz
(sons interiores traduzindo
cores de vívidos matizes).
Meu coração — uma galeria
de quadros felizes.
Vedam-me os olhos ao mundo
(imagens rubras revelando
fuga de retinas ávidas).
Minha perspectiva — entre todas,
a mais lúcida.
Negam-me o cheiro das manhãs
(seiva da terra germinando
frutas raras).
Meu aroma — aura cítrica
de maçãs.
Cassam-me o gosto das paixões
(na vertigem das bocas, amores
tardios e loucos)
Minha sede — sempre infinita
e água tão pouca.
Encerram-me na cela dos horrores
(as horas tateiam pelos sulcos
da parede fria)
Minha loucura — fugaz passagem
entre a noite e o dia.
Condenam-me ao exílio interior
(interminável angústia
sob o açoite assassino)
Minha pena — privação muito além
dos cinco sentidos.
Tudo em vão... Ainda me resta
um derradeiro lenitivo:
na inexpugnável prisão,
o poder do sonho — uma fresta
por onde escapo ileso
e sobrevivo.