A UMA LAVADEIRA
Minha vizinha lavadeira,
mal nasce o sol, põe-se a cantar,
canta a manhã, a tarde inteira,
mais me parece uma rendeira
nivosos sons desfiando no ar.
De suas mãos o alvor é tanto
que, às vezes, tenho a convicção
de que, talvez por um encanto
alvo se torne tudo quanto
os dedos seus tocando vão.
Quando ela vai ao coradouro
finas cambraias estender,
olhos azuis, cabelo louro,
tudo em seu corpo canta em couro
pela alegria de viver.
Se a lua sobre os silenciados
campos do luar abre os lençóis,
não mais, então, lhe ouço os trinados,
mas cuido ver, por sobre os prados,
dormir, sonhar a sua voz.
Debalde o espírito perscruta
de onde lhe vem esse poder
de sem possuir a força bruta,
assim tornar clara, impoluta
roupa que às mãos lhe venha ter.
Não poderei, por mais que o queira,
dado me fosse e dos desvãos
da minha dor tirara inteira
esta alma, ó linda lavadeira,
para o crisol de tuas mãos.
Ao teu labor, que assim depura,
tenho este anseio singular;
pudesse tu, leda criatura,
lavar minha alma de amargura
e pô-la ao sol para secar.
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