UM DIA A MENINA
OLHOU O ÁLBUM DE RETRATOS
Pela fresta do céu
Desceu um pensamento nos
olhos da menina
Que folheava o álbum
dos antepassados.
Suas mãos pararam
a página com o retrato do homem de croisé
Que não era seu pai
nem seu avô.
Era o irmão de leite
de seu tio
Que havia se suicidado por
amor.
As pupilas da menina passearam
na boca do retrato, desgrenharam o penteado,
Passaram na curva da orelha
e por baixo do plastron
Ela sentiu o perfume guardado
há tanto tempo.
Puxou com os olhos o álbum
bem para dentro do seu corpo.
Os seios gritaram em diâmetro,
se turgindo,
E ela esfregou, com um movimento
de cabeça,
As pontas pesadas da cabeleira
em sua nuca.
A menina casou com um homem
fora do álbum
Mas seu primeiro filho era
igual ao retrato
Do irmão de leite
de seu tio
Que havia se suicidado por
amor,
E que seus sentidos ressucitaram
e guardaram
Para imprimir formas desconhecidas
nos presentes
E amar a memória
dos ausentes.
Do livro: “Mundos
oscilantes” José Olympio, 1962, RJ
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