Retesar os nervos
endurecendo para sempre minha nuca.
Mastigar pedras
e assim fortalecer meus dentes.
Com cicatrizes
construir fortalezas intransponíveis.
Minha alma está presa.
Com clausuras viver meu dia.
São poucos cacos
construindo minha lápide,
mesmo enterrado
meu corpo é indefeso.
E assim amar um pouco,
um pouco, que seja.
Viver nas trevas,
desinventando o novo.
Tenho tantas coisas a pôr fora...
Aqui se encontra um pensamento perdido,
ali uma janela para sempre aberta
abanando eternamente a um vento que vem do norte,
um disco do 1937 World Jazz Festival
quebrado como a boca banguela de Caetano,
um pouco mais adiante a minha perna,
na fruteira as perguntas a responder
misturadas com laranjas
e as perguntas respondidas
misturadas com limões,
a minha outra perna envolvida por meus braços
num gesto desesperado de auto-proteção,
e por fim a minha cabeça dedilhando um eterno poema,
apoiada de leve sobre meu coração
que bate asas a um canto, inconsciente.