Privilégio é a palavra que melhor define
o exercício de desembrulhar as frases
uma a uma, letra a letra, constatando-lhes
o gosto, o peso, o conteúdo, o continente.
Adivinhar em cada uma os mil silêncios
lapidados, os gritos que jamais
serão escritos, os sorrisos navegantes
à espera do milagre que os amarre
no porto de algum peito marinheiro.
Despojar cada sentença da placenta que a recobre
e no fundo descobrir o esconderijo da esperança,
camuflado no ritmo sem compasso da verdade nua e crua,
oculto no alarido arrítmico do mutismo trepidante,
ausente na cerimônia fúnebre dos amores fracassados
e prima-dona no acontecer do encontro tão sonhado.
Depois de saciada a sede de metáforas
é chegada a hora de acariciar o eco das estrofes
degustando o significado vital de sua essência
cheirando a sonoridade mágica da mensagem
bebendo a consistência semântica dos dizeres
e agradecendo a vivência codificada que nos legam.
Decifrar e entender as entrelinhas
— sejam da vida ou do poema —
é prerrogativa de duendes encantados,
de gênios, de fadas, e também de feiticeiras;
nós outros, apenas o tentamos
e o tentamos e insistimos e tentamos
ainda que nem sempre o consigamos,
mas claro que nem por isso desistimos
pois ler poesia é ser poeta
e ser poeta é declarar de viva voz
para todos os ouvidos
e perante todas as audiências
que ler poesia, assim como escrevê-la,
é buscar palavras que sejam degraus
da mesma escada, e descobri-las;
é procurar agulhas nos palheiros, e encontrá-las;
é entender que ser pensante gratifica
e finalmente constatar que ser humano vale a pena.
Por tudo isso e outro tanto que ora fica no tinteiro
a resposta que merece pergunta tão freqüente
deve ser, sem titubeio, em voz alta e com orgulho:
profissão?... leitor! com muita honra!