A HORTÊNSIA
Tenho uma égua que se chama Hortênsia.
Corrijo: não é minha, é da mulher,
que me reparte a vida, pobre dela,
um tempo que já sabe a eternidade.
O nome dela não faz louvação
à deusa do basquete nacional.
Nasceu de mãe chamada Margarida.
Sucede que há uns bons meses, a Hortênsia,
que nada tem de raça, não cresceu
nas haras de Itatiba, apareceu
de estado interessante, ainda tão nova.
Quem é o pai do lindo cavalinho
que vai chegar? Ora quem vai saber,
tantas são as caboclas mal crescidas,
que sequer sabem quem as floresceu.
Confesso que não sei a duração
da gestação de um feto de cavalo.
A barriguinha dela está danada
de redonda e descida. Acostumada
ao capinzal da várzea, as folhas tenras,
faz dias que mal prova do farelo
misturado com sal. E o que é pior,
tem dois cavalos que andam de olho nela.
Trato de protegê-la, vai ser mãe.
Até de nome cuido. Se for macho,
vai atender só pelo sobrenome
de certo amigo amado, se for fêmea
vai ser chamada de Violeta, poltra
atravessando o vento do meu rio.
A Hortênsia gosta de acordar cedinho.
Eu chego junto dela, digo vamos,
vem te banhar comigo, ela me espia,
estou sendo sincero, ela me espia
com os olhos oblíquos, agradece
a carícia que invento em suas crinas
e vem comigo, sei que vem contente,
enquanto sobre a areia nossos passos
escrevem um caminho de amizade.
Do livro: in “Campo de Milagres”, Bertrand
Brasil, 1998;
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