Curvar-se
sobre o vazio papel
dia após dia
engastando palavras
num arranjo incerto,
sob o continuo açoite da dúvida,
enquanto na janela
um avião passa em chamas,
e pela fresta da porta
o suicida deixa
seu bilhete de adeus.
Tecer, parir
cordões de discurso,
pô-los no mundo
para que tomem o próprio rumo
tal pergaminho queimado
da biblioteca de Alexandria,
html rastreado na madrugada
pelos hiper-computadores
da rede deserta.
Tornar palavras em objeto,
de suposta beleza,
de intangível valor.
Inocular na palavra
poderes secretos
de dilatar cética pupila,
de mover ponteiros
em sentido contrário.
Mergulhar na água turva das formas.
Arpoar metáfora, oximoro,
que tragam no ventre
emoção e pensamento?
Atender as perguntas
que pululam como vermes
na flácida massa da incerteza:
Que rima para tanger
as cordas retesadas do
sentimento?
Onde a harmonia celeste
entre o jarro e o vinho?
vinho que de tão pura vinha
remonta aos ritos ancestrais
Amar a palavra. Amá-la,
sem esperar nada em troca.
Servir a palavra e só a ela servir.