Eu quero escrever uma ode
A dias quentes e noites frias,
Antagônicas harmonias...
A tantos quantos a leiam ou ignorem,
A guitarras gritantes, a violinos que chorem!
A quem me admira ou lastima,
A quem embelece ou arruina minha rima...
A todos que me emocionem ou entediem,
A olhos que se lavem, a lábios que riam!
A um intenso fulgor de verão e à neve no Tibet altiva,
A todas as bruxas, a todas as divas!
A meu anonimato ou emblema,
Ao meu vão despropósito, ao meu veemente lema!
À minha imaginação brincalhona,
Que me surpreende no chuveiro frio
E traz esses versos à tona!
Eu quero escrever uma ode
A rostos elípticos ou estupefatos,
Ao grego-poético-artefato;
Às civilizações primeiras e seus marcos,
A Ésquilos, Virgílios e Plutarcos!
À arte, que sob o sol, a chuva e a neve,
Dá igual sentido ao rei e à plebe!
Ao sidéreo-etéreo que me encobre e indaga
Sobre um plausível teor de vida vaga...
Ao eterno mistério que encanta e sugestiona o homem
E a todo complexo que o assombre!
Eu quero escrever uma ode
A uma vida interior que em mim explode!...
A este mundo vasto que abarca e comporta
A matéria viva e a vida morta...
A tudo quanto inexiste por circunstância,
A extremos opostos em concomitância!
Ao conteúdo e à forma, significado e estética,
Aparência disforme, vida patética...
A pensamentos e poéticas que passam por mim,
Desdobram-se em fluidos ou ficam aqui!...
Eu só não quero escrever uma ode
Ao mal, à dor e ao desencanto,
Ao véu negro do pranto!
À destruição, à discórdia, à
violência,
Ao arpão e à falta de clemência!
À vilania, ao terror e à desordem,
A lobos uivantes que mordem!
Ao egoísmo, à farsa e à tirania,
A salteadores de João e de Maria!
Ao carrasco, à guilhotina e ao luto,
Ao ente incasto e poluto!
Ao são-insano, ao cruel, ao mórbido,
Ao desumano, ao vil sórdido!
Ao ódio, à desagregação e à guerra,
À mão que mutila a Terra!